segunda-feira, 30 de maio de 2011

Para os primeiros e últimos anos de vida

De repente, a rádio falava italiano. Estavam discutindo alguma coisa que parecia futebol. E podiam não estar discutindo nada também (sempre me disseram que quando o sitalizanos conversam parecem que estão brigando). Era a certeza de que estávamos em Menton. A cidade do litoral francês faz divisa com o a Itália e escutar alguém falando "Grazie" por lá não é novidade.

(Vista do mirante do Boulevard de Garavan)

Chegamos a noite e fomos encontrar com o tio de uma amiga nossa que ia nos emprestar um apartamento durante três dias, o que reduziu um bocado os nossos custos! Nesse dia até saímos um pouco do ap. Demos uma voltinha pelas ruas próximas, mas voltamos em seguida. Dormimos.

No outro, acordamos cedo e fomos conhecer a cidade. A primeira coisa que chamou a atenção (e a primeira foto da máquina) foi de uma árvore que estava em frente ao nosso prédio. Pequena, carregava alguns frutos verdes que só iam amadurecer com o tempo e com o sol. Eram limões. A cidade é cheia de limoeiros. E reconhecida por eles. Menton é a cidade do limão, que se frutificam em abundância graças ao clima mediterrâneo do local. No século XIX, o fruto já foi o mais importante produto econômico.

Ele está em tudo: dos cartões postais ao brasão da cidade. E é também o protagonista da maior festa. Nas duas últimas semanas de fevereiro, Menton celebra a festa do limão, com uma programação que inclui desfiles de carros alegóricos feitos com a fruta.

(Praça de Menton decorada para a "fête du citron". TUDO é feito de limão. Foto tirada desse link)

Se o clima de Menton é agradável para os limoeiros também o é para as pessoas. Por ser uma cidade pequena, litorânea, com clima estável e temperaturas amenas, a cidade atrai pessoas que querem se desligar um pouco do ritmo atribulado de trabalho. É um local para se aposentar. Não é por menos que grande da sua população de cerca de 28 mil habitantes seja de adultos e idosos que prezam pela qualidade de vida.

Isso estrutura também o que esperar do local. Poucos bares e um bocado de bistrôs simpáticos. Nem tudo é barato. As praias não são uma passarela aonde passam mulheres e homens bonitos. Não é o melhor lugar para paquerar. E também não vá para Menton esperando uma boa balada. Elas existem, mas são restritas. Nós sequer a encontramos (apesar de perguntarmos a mais de uma pessoa). Poucos bares estavam abertos. Mas a tranquilidade "mentoniana" ainda encanta.

(Ruela da cidade velha)

Andanças

A primeira coisa que fizemos pela manhã - antes de olhar mapa, roteiro ou mesmo o relógio - foi dar um jeito de encontrar o mar. Brasileiro tem alguma coisa com praia... mineiro então. A areia era bege, com muitas e muitas pedrinhas ao invés das típicas conchas. Apesar do sol, o tempo estava um pouco fechado, com algumas nuvens, e por isso a cor do mar era azul clara, como água de piscina.

(Le Bastion)

Ficamos um tempo lá e fomos andando. O Bastion, construído pelos príncipes de Mônaco em 1636, em alto mar é uma das construções que chamam atenção no meio do caminho. Hoje, ele gaurda o museu de Jean Cocteau, poeta, dramaturgo, cineasta... um verdadeiro mil e uma utilidades. O destino final era o porto de Menton. Pela passarela que passamos, é possível ver o mar de um lado e o porto do outro, com as casas amarelas, rosas e laranjas ao fundo. Uma das imagens mais bonitas da cidade.

(Uma das marcas do litoral francês é a cor das sua construções)

Com essa linda imagem a frente pensamos "vamos lá!" e começamos a subir e entrar em todo qualquer beco a nossa frente. Essa é a parte mais antiga da cidade. As ruelas apertadas, cheias de degraus, foram construídas em cima daquelas montanhas ainda na época medieval. Os habitantes enchiam as passagens de vasos e plantas.

Mais acima, uma escada em zig zag leva a uma das únicas áreas de respiro daquela parte da cidade. Lá, a pequena praça da Conceição, com duas igrejas que formam um dos mais belos cojuntos barrocos da região. A principal é a basílica de Saint-Michel, construída em 1619. Como passou por uma recente restauração, o monumento mantém suas cores fortes e seus detalhes bem marcados.



(O espaço era tão pequeno que nem dava pra tirar da igreja toda de perto. A direita, uma amostra de que até santo gosta de futebol)


Continuamos subindo e subindo até o ponto mais alto da colina. Encontramos, por acaso, o antigo cemitério da cidade. Certa vez ouvi dizer que antigamente os cemitérios eram construídos no quintal das igrejas ou no alto de montanhas para que as almas dos mortos ficassem mais perto de Deus. Mas ainda me causa estranhamento - e um pouco de preconceito - ver um espaço tão bonito, com uma das melhores paisagens da cidade, ocupado por um monte de caixões.

Pelo menos esses caixões eram especiais. E de toda parte do mundo. As lápides estavam escritas em francês, italiano, inglês, russo e outras tantas línguas que eu não sabia diferenciar. Alguns eram verdadeiros templos, como a casa construída para enterrar um dos príncipes da família russa Trubetzkoy. O espaço tinha portas de madeira maciça, cerâmica refinada e cúpula dourada.


(A esquerda, o túmulo do príncipe. A direita, a vista do cemitério. Ele é todo cheio de pequenos detalhes como cruzes de marfim e estátuas de anjo. Por vezes, parece uma igreja a céu aberto)

Lá de cima outra marca da cidade: o verde. Menton é toda arborizada, mas guarda também parques e jardins especialmente planejados. O mais famoso é o Boulevard de Garavan, um caminho arborizado de quase três quilômetros no meio da sua colina feito em 1888. Esse jardim suspenso é conhecido como "o sonho da babilônia", e apresenta plantas típicas da região, além de uma flora tropical. O mirante do Boulevard dá a ver toda a cidade.

Break time

O dia foi abrindo e as nuvens rareando. O sol bateu forte. O mar então tomou aquela cor azul anil que a gente tanto vê nas fotos. E uma vontade louca de nadar. Fomos descendo. As ruas ficavam cada vez mais espaçadas. Lá embaixo, algumas construções mais suntuosas, como a prefeitura e o hotel Oriente, enorme.

(A prefeitura de Menton reflete a arquitetura simpática da cidade)

Quando chegamos novamente a beira mar, procuramos uma loja para comprar biquínis pois uma das meninas estava sem. Se vocês ainda não entendem porque as lingeries e as roupas de banho brasileiras são famosas, é só entrar em uma dessas lojas. A parte de baixo ou é fio dental ou é enorme. Enorma quer dizer: um short. O pano é ruim, não tem forro e as estampas são feias. E com esse tanto de defeito eles ainda são caros. O mais barato era 15 euros: preto, com fios soltando e um sutiã que nem minha avó usaria. Desistimos, claro.

Sentamos em uma escadinha e ficamos admirando a cor do mar. O sol confortava. Um velinho nadava ali perto e uma família arrumava o guarda-sol enquanto as crianças corriam de um lado para o outro com seus carrinhos e pás de areia. Menton é paraíso escondido do Sul da França.

(O mediterrâneo é mesmo azul anil - não, não é photoshop)

terça-feira, 24 de maio de 2011

Da janela do carro eu vi

Saímos às 11h de uma manhã ensolarada. O caminho Clermont-Ferrand - Menton, primeira cidade da nossa rota francesa, ia levar 6 horas. Para não gastarmos dinheiro com pedágios passamos o dia anterior na internet anotando as diretrizes do site Michelin, que mostra qualquer rota que se quer fazer em quatro opções: melhor, mais rápida, mais barata ou adventure. Pegamos a mais barata. O trajeto foi longo, as estradas eram pequenas, cheias de curvas, e o carro ia a 60 km/h. Resultado: chegamos em Menton às 21h. Sem arrependimentos. O caminho era lindo! Da janela do carro eu vi...

... árvores de plátanos

... vilarejos com casas de pedrinhas

... carros antigos












... pôr do sol nas montanhas... e banheiros públicos precários


... um céu pintado a guache

... castelos medievais

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Viajando de carro

Sempre fui a favor de viagens automotivas. Se eu tivesse um semestre de férias preferia ir do Brasil ao Canadá de carro do que de avião, e parar em cada cidade que fosse encontrando no caminho. Transportes aéreos são lindos e rápidos, nos poupam tempo e nos dão a possibilidade de conhecer outros continentes sem enjoar durante um mês em um grande navio. Mas perdemos boa parte da paisagem.

(No inverno europeu, casinhas como essa são comuns são comuns pelo caminho. Foto tirada desse link)

No Brasil há uma complicação a mais: a (falta de) infraestrutura. Estradas de faixa única, pistas sem acostamento, buracos e mais buracos. Isso sem contar as pontes que parecem cair aos pedaços. Está melhorando? Sim. Mas ainda é uma vergonha nacional saber que um país que vai sediar a próxima Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos de 2016 tem estradas tão precárias. As ruas e avenidas urbanas não escapam a regra. Faça um teste: coloque um CD em um carro que o rádio não tenha anti-choque e veja quantas vezes a música vai parar ou pular por causa dos desníveis do asfalto.

Na Europa a música segue tranquila. A diferença entre um país dito subdesenvolvido para um desenvolvido (salvo exceções) é a qualidade dos serviços públicos oferecidos. Ou mesmo dos privados, já que as estradas hoje em dia estão nas mãos de grandes empresas. Elas cobram pelo seu trabalho em forma de pedágio. Mas o pedágio no velho continente vale a pena. As autovias são enormes, com várias pistas e esquemas de segurança por todo lado. Placas, asfalto lisinho e espaços com brita para "enfiar" os veículos que perderam o freio (até nisso eles pensaram!).

(E em 2010 a União Europeia ainda apresentou um plano para diminuir pela metade o número de mortes em suas estradas. Foto e matéria retiradas desse link)

E para quem não quer pagar pedágio, a estradinha antiga não foi destruída. Ainda está lá. Em quase todos os países europeus o condutor tem a opção de passar pela grande via, mais movimentada, maior, mais rápida, ou pela "estradinha", menor, mais escondida, mas igualmente boa. E as pequenas vias europeias tem qualidade superior a muitas das estradas brasileiras. Sem contar o visual...

A primeira boa experiência aconteceu em 2008, quando viajei a Portugal com minha família. Fomos do Porto até Lisboa de carro, parando aonde queríamos e dormindo em algumas cidades no meio do caminho. A qualidade das estradas impressionaram desde o primeiro minuto. Mas o prêmio ficou mesmo para a paisagem, principalmente no Vale do Rio Douro. A passagem estreita e cheia de curvas deixava a vista a capacidade dos portugueses de fazer da terra seu ganha-pão. Como o país é pequeno, cada pedacinho do campo era bem aproveitado. O resultado são morros com curvas de linha de vinhedos e oliveiras de cima a baixo. Uma das imagens mais bonitas que já vi na vida.

(Na primavera, a paisagens fica toda colorida pelas flores)

A segunda foi durante o intercâmbio, quando organizamos uma caravana brasileira, rumo à Oktoberfest. 14 horas de viagem, grande parte a noite, para chegar a Munique, na Alemanha. Como contei no post sobre essa viagem, o país chega a ter uma placa que significa "limite de velocidade não estabelecido". Só em estradas muito seguras - e, principalmente, com um povo que tenha noção - é possível colocar isso. Conduzimos ao lado de carros importados a 240 km/h e não vimos, nem na ida nem na volta, acidentes ou problemas.

Bem impressionadas com a experiência alemã, eu e mais duas amigas brasileiras alugamos um Twingo e viajamos pelo Sul da França. Além da certeza de uma boa estrada, o carro nos daria a liberdade necessária para a nossa ambição: 8 cidades em 7 dias. O outro ponto positivo era o preço. Alugamos o carro por 245 euros durante uma semana. O problema era só o dinheiro. Apesar do preço irrisório, teríamos dar uma caução de 1.200 euros. Demos um cheque sem fundo com 600 (#malandragem. Mas eles sabiam...) e dividimos o resto nós três. Na sexta-feira pela manhã deixamos Clermont.

(Uma amostra da vizinhança do nosso carro. Cidades antigas e casinhas de pedra apareciam de hora em hora)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Web Afora

Como a maioria sabe, desde que voltei de intercâmbio, em fevereiro desse ano, voltei com as minhas atividades normais. Não satisfeita, encontrei mais algumas coisas para fazer. Dormir pra quê, afinal?

(A charmosa Clermont, o motivo - justificável - da minha ausência. Mas também uma das culpas pela minha vontade constante de voltar ao blog para contar tudo o que vivi)

A primeira resolução pós-viagem era continuar com as matérias do Eu Mundo Afora. No começo da minha temporada europeia postei algumas coisas e me esforcei para escrever ao menos uma vez por semana. Por motivos logísticos (leia-se: falta de internet) e pessoais, acabei deixando pra lá. Aproveitei a viagem, tirando muitas fotos e anotando uma série de detalhes para contar depois.

Outra resolução, que comecei de imediato, foi voltar a escrever para o FUNtástico. O site foi inaugurado em junho de 2009 e em novembro do mesmo ano entrei como redatora da seção TRIPz. Desde então, duas matérias por semana enchiam a seção que eu construía com outros estudantes e recém-graduados. O site cresceu em número de voluntários e leitores. Hoje, além dos milhares de acessos diários, ele é associado ao jornal O Tempo e traz conteúdo jovem e cultural. No início do mês fui convidada para ser a editora da seção TRIPz e aceitei, com muito prazer.

(Jornalismo comprometido. Os textos dos estudantes e jornalistas do blog periodismo de viajes trazem temas atuais e relevantes. Minha matéria mais recente foi sobre saúde dos povos indígenas no Brasil. Foto tirada desse link)

A outra novidade é o Periodismo de Viajes, coordenado pelo jornalista e professor de Comunicação da Universidade de Sevilha, Mariano Belenguer. O site é uma plataforma para todos aqueles interessados em viagens. Entrei em março de 2011 como correspondente brasileira! O jornalismo proposto nessa web espanhola procura ir além das historinhas de um aventureiro solitário qualquer. Os temas propostos abrangem questões sociais, históricas e antropológicas em um contexto de viagem, com um enfoque especial nos povos indígenas e no meio ambiente. Como já esperava, estou passando por dificuldades para escrever textos jornalísticos com o meu espanhol intermediário. Mas a experiência vale muito em termos linguísticos e profissionais.

O site traz debates, fotografias e links interessantes. O blog é o ponto principal, aonde os repórteres escrevem aquilo que consideram relevante e divulgam notícias sobre o tema. Atualmente, a equipe vem trabalhando na criação de uma revista impressa que vai abordar certos assuntos de forma mais aprofundada.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Melhores destinos 2011

A Cidade do Cabo, na África do Sul, encanta os turistas ao mesclar natureza, história e concreto. Do alto do Cabo da Boa Esperança, vistas de tirar o fôlego. Na ilha Robben, uma visita ao local onde Nelson Mandela ficou preso por 27 anos. Na cidade, passeios que deixam a ver a cultura do povo sul-africano. Por essas e outras a cidade foi escolhida pelos leitores da Trip Advisor, um dos sites de turismo mais importantes do mundo, como o melhor destino de 2011.


(Vista da Cidade do Cabo. Cultura, natureza e história por preços em conta. Foto tirada desse link)

A lista traz os 25 locais mais bem cotados entre o mundo dos viajantes de plantão. A Cidade do Cabo foi uma surpresa... mas não maior do que o 3º lugar, ocupado por Machu Picchu, no Peru. O que encanta nesse destino, mais do que a exuberância da floresta amazônica, é o mistério. Como a civilização inca conseguiu construir aquela vila a milhares de metros de altura?

Em 2º lugar fica a cidade australiana Sidney. Só em 4º aparece Paris, a cidade que mais recebe turistas por ano. O orgulho brasileiro fica em 5º, com o Rio de Janeiro, que deve receber ainda mais visitantes por conta da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

Se a primeira já foi uma surpresa, a lista dos melhores destinos de 2011 traz outras ainda mais incomuns. No 14º lugar figura a mítica Siem Reap, no Camboja. Com o fluxo cada vez maior de pessoas, o local vem novos recebendo restaurantes, hotéis e casas noturnas. Ainda assim, os turistas vão a procura dos templos milenares bem conservados.

Grand Cayman (nas ilhas Cayman), Petra (na Jordânia) e Queenstown (na Nova Zelândia), enchem a lista de novidade. Entre os destinos comuns e igualmente dignos estão Praga (na República Tcheca), Florença (na Itália) e São Francisco (nos Estados Unidos). No fundo, uma viagem para qualquer um desses 25 lugares não tem muito erro.

Brasil de encantos mil


(Uma imagem que não cansa. Foto tirada desse link)

No ranking dos 25 melhores destinos entre as Américas do Sul e Central, o Brasil não ganhou o primeiro lugar, mas ficou com o maior número de cidades da lista: nove são brasileiras. O Rio de Janeiro ficou em 2º lugar e Florianópolis em 5º. Já a cearense Jericoacoara agarrou o 7º. Para os turistas, qualquer coisa se torna mais especial quando o cenário são as praias paradisíacas da cidade. Búzios vem logo depois. Morro de São Paulo fica em 14º, Foz do Iguaçu em 16º e Salvador em 17º. Logo após Porto de Galinhas (em 19º), mais surpresa: São Paulo capital. Apesar de ser o oposto dos clichês praia, sol e carnaval, a cidade figura na lista – merecidamente – pela sua efervescência cultural.


*Matéria publicada originalmente no site FUNtástico, nesse link.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A mais bela surpresa

Annecy foi a melhor surpresa do meu intercâmbio na comparação expectativas versus realidade. Nunca tinha ouvido falar da cidade antes. Foi quando estava em Grenoble que fiquei sabendo que iria visita-lá. "É uma cidade muito bonita, a 1 hora daqui". No outro dia já estava a caminho. Não tive recursos nem tempo para pesquisar, me atualizar, ver imagens. Que bom. Ela era realmente aquilo que me disseram e mais um pouquinho.

(A neve enfeita a paisagem do parque e do Lago de Annecy)

Se em Grenoble eu estava na Espanha, em Annecy eu estava na Itália. Mais especificamente em Veneza. A comparação soa prepotente, mas mais tarde fui descobrir que a cidade tem mesmo o apelido de "Veneza dos Alpes", devido aos três cursos d'água que a percorrem. Ninguém usa gondôlas para atravessar os quarteirões, mas o clima da cidade vira outro.

A água é mesmo um dos pontos fortes de Annecy. O lago que dá nome à cidade é o mais limpo de todo velho continente e de uma transparência sem igual. Alguns barcos atravessam o lago para chegar nas pequenas cidades que ficam do outro lado. Também são eles que colorem o rio no verão, quando pessoas de todas as idades enchem o espaço verde em frente ao lago com suas toalhas de piquenique.

(Canal de Vassé. Transparente como água de aquário)

Mas cada época do ano traz um novo colorido à cidade e, sinceramente, Annecy é uma cidade para se visitar no inverno. Em um dia ensolarado de inverno, mais especificamente. As montanhas nevadas ao redor são ainda mais especiais que as de Grenoble, principalmente quando as vemos refletidas no lago da cidade. Annecy tem uma natureza refinada. Verde coberto pelo branco da neve e árvores frondosas com folhas de cors pastéis. Sabe aquelas imagens de quebra-cabeça?

A arquitetura, majoritariamente dos séculos XV ao XIX, também se encaixa perfeitamente. São casas e prédios de pedras cinzas e paredes coloridas, cheias de janelas. Todos muito bem cuidados. As ruas de pouco movimento me davam a impressão de estar em uma cidade medieval. Principalmente quando me deparava com algum castelo. O mais charmoso é o Palácio da Ilha. A construção do século XII já foi centro administrativo, prisão e hoje abriga o Centro de Interpretação da Cultura e Patrimônio de Annecy.

(Um bom cenário para os filmes de época do Mel Gibson...)

Entre as igrejas, a Basílica da Visitação é a mais recente. Construída no século XX, a graça maior está do lado de fora, na vista que é possível ter de toda a cidade. Outro ponto importate é a Catedral de São Pedro, no centro de Annecy. É lá que estão os restos mortais do santo François de Sales, um dos mais importantes para a cidade.

Uma das construções mais imponetes é o Palácio Imperial, que já recebeu personalidades como Winston Churchill, Charlie Chaplin e Edith Piaf. Construído em 1913, o local se transformou em hotel (para poucos) em 1990. Para entrar no casino ou no centro de congressos do local é preciso grana. Já a praia e o parque do hotéis são abertos ao público.

(Foto tirada desse link)

Com um grande número de construções históricas, Annecy precisa ter cuidado para não parar no tempo. Esse esforço pode ser sentido com uma visita ao Centro Cultural de Bonlieu. Inaugurado há 20 anos, abriga diversas lojas e restaurantes e alguns para apresentações. Espetáculos de música, teatro, circo, exibições de cinema e exposições de fotografia já tiveram seu lugar por lá. Esse pode ser o marco zero para o visitante de primeira viagem. É lá que está o centro de turismo da cidade e sempre tem alguém para dar dicas de passeios.

A cidade também têm um número considerável de bares e restaurantes moderninhos, cheios em qualquer hora do dia. Dois a cada três garçons que costuram as mesas do lado de fora carregam ou uma xícara de café ou um prato de peixe vindo do lago da cidade: truta e brochet, em sua maioria.

(Praça cheia de bares e restaurantes. No alto, vista do castelo de Annecy. Foto tirada desse link)

Cada se apresenta de uma forma diferente para cada pessoa. Para mim, Annecy parou no tempo. Isso aconteceu por ser domingo, mês de novembro, temperatura máxima de 3 graus. Mas também por ser pequena e por ser histórica. Mas não trocaria a Annecy que conheci pelos seus piqueniques de verão. Ela é a mais francesa das cidades. E a mais bonita.

(A cidade em duas images: essa e a primeira)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Cercada por história e imensos e nevados alpes franceses

A primeira coisa que as pessoas costumam fazer ao chegar em Grenoble é olhar para cima, encantadas com os imensos e nevados alpes franceses que circundam a cidade. A altitude média do maciço montanhoso francês é de 1.300 metros, podendo chegar a quase 2.000 pelas redondezas. Isso sem contar o Mont Blanc, em Chamonix (a 120 km de Grenoble), que com 4.808 metros constitui-se como o ponto mais alto da Europa ocidental. Pela altura e pelo clima, as montanhas ficam cobertas de branco o ano todo. Uma imagem ainda mais atrativa para uma brasileira que nunca tinha visto neve na vida.

("Ao fim de cada rua, uma montanha", disse o famoso escritor francês Stendhal. Foto tirada desse link)

Com os olhos de volta aos 1,62 metros de altura, é interessante observar como as montanhas influenciaram na construção da cidade. Os primeiros relatos sobre a existência de Grenoble remontam ao ano 43 a.C. Saída estratégica para a Itália, a pequena vila foi se desenvolvendo ao ponto de se tornar, no século XI, a capital de um estado independente no meio do santo Império Romano alemão. Ao longo de sua história a cidade sofreu ataques e foi alvo de conflitos e guerras, tanto pela sua posição estratégica quanto pelo seu poder econômico. Durante o período medieval, diversas fortificações foram construídas com o intuito de proteger a cidade e seus habitates.

(O teleférico já foi quadrado, branco, já foi um só. Hoje ele é assim)

A influência desse período é forte. Esse é o motivo pelo qual, inclusive, a parte histórica de Grenoble é tão pequena: até o fim do século XIX, ela ainda estava cercada por muralhas fortificadas. Hoje, é possivel encontrar vestígios romanos e arquitetura medieval por toda a cidade. Um desses vestígios é o ponto turístico mais célebre do local: o forte da Bastilha. É a construção mais alta da cidade e visível de diversos pontos da cidade.

O local foi um importante edifício militar de proteção. As muralhas datam do século XVI, mas o forte em si foi construído entre os anos de 1823 e 1848 pelo general Haxo. Em 1934 o governo da cidade inaugurou o teleférico. O passeio custa 5 euros por pessoa e depois de 260 metros de subida é possível ter uma visão panorâmica da cidade. Lá em cima é possível ver fotos da construção desse que foi um dos primeiro teleféricos urbanos do mundo e também do forte da Bastilha.

(Vista panorâmica da cidade pela manhã e ao cair da noite. Fotos do alto do forte da Bastilha, tiradas desse e desse links)

Lá embaixo, legal mesmo é andar pelo centro histórico, sem pressa. A arquitetura local mistura o Renascimento ao período gótico europeu e traz alguns pontas valem o passeio. Um deles é a praça Saint-Andre, onde está o antigo parlamento da cidade, com uma linda fachada. Outro ponto interessante é a Catedral de Notre-Dame de Grenoble, construída no século XIII e ornada com ouro nas cenas da vida de Jesus. A catedral, que serviu de casa para padres e bispos, é colada à Igreja de Saint-Hugues.

A fonte das três ordens é uma das mais bonitas da cidade. Foi inaugurada em comemoração aos eventos pré-revolucionários de 1788 que, mais tarde, iriam culminar na adesão à Revolução Francesa. Para dar uma relaxada, a ideia é ir à Praça Victor Hugo. Como estávamos em novembro, a praça abrigava uma grande Feira de Natal, onde os visitantes podiam comer pratos típicos do país e comprar mil e uma coisas, de temperos raros a chapéus para suportar o frio (que em Grenoble é ainda maior).

(Temperos mil e salsichas populares. No primeiro dia provamos a Tartiflette gratinada. O preço nos mercados de natal são mais caros. Mas a pequena marmita de 6 euros valeu todos os centavos)

As pequenas curiosidades estão em todo lugar: em uma pequena praça perto dali tinha um homem que desenhava um papai noel a partir de um grande bloco de gelo, usando motoserras, facas e fogo. Mas não fui capaz de reparar nas suas habilidades artísticas porque enquanto assistía a única coisa em que conseguia pensar era "como esse homem aguenta fazer isso tudo sem luvas?". E mesmo com calça termica, duas meias, bota, quatro blusas e luva, tremia de frio por ele.

A cidade sabe conciliar muito bem a história com a modernidade. Não que o centro seja cheio de prédios novos e enormes arranha-ceus. Ao contrário: é o ritmo da cidade, intensa, que não se deixa diminuir pelas marcas do passado. Ao longo das ruas, centenas de bares, restaurantes e casas noturnas. Grenoble está cheia de vida.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Estudantil por excelência

As pessoas viajam a intercâmbio por "n" motivos. Um deles é a possibilidade de estudar no exterior, fazer um bom curso de línguas ou conhecer os professores e as disciplinas de uma nova faculdade. Outro é aprender um novo idioma, para colocar no currículo e poder conversar com qualquer pessoa em uma língua que não é a sua. Alguns escolhem viajar para se misturar, conhecer novas culturas e diferentes formas de ver a vida. Seja qual for o motivo de uma viagem de intercâmbio, ele não inclui passar o tempo todo com pessoas que vêm do mesmo país que você. E é isso o que acontece em Grenoble.

(Grenoble no inverno. Um pouco cinzenta, igualmente bonita)

Em meados de novembro do ano passado, viajei a essa linda cidade, capital dos alpes franceses. Um amigo tinha uma amiga que estava em Grenoble fazendo um intercâmbio. Essa amiga ia receber o namorado, que também era amigo do meu amigo. E essa cidade ia receber o show de uma banda de reggae alemã, Gentleman. Tirando a banda, eram todos espanhóis. E eu, brasileira.

No primeiro dia, fomos recebidos e nos instalamos as coisas no quarto da residência estudantil da amiga. Todas as cidades francesas com boas faculdades apresentam uma ou mais unidades do Crous, o sistema de residências estudantis francesas. Eles são de vários tipos. Em Clermont-Ferrand tinha mais de uma unidade. A que eu ficava era um complexo de 6 prédios com apartamentos de 9m², banheiro, ducha e cozinha externas. Alguns amigos em Clermont ficavam em um Crous com apartamentos maiores, banheiro, ducha e mini-cozinha internos.

(Residence Ouest. Foto tirada desse link)

Lá, esse esquema era ainda mais complexo. Grenoble é a terceira cidade francesa com maior número de estudantes. Entre os cerca de 150 mil habitantes, 65 mil são alunos do ensino superior. São 15 unidades com dezenas de prédios e milhares de apartamentos. Íamos dormir os quatro no mesmo quarto em uma dessas residências, bem mais organizada do que a minha. Os quartos eram bacanas e só a cozinha era coletiva, mas muito maior e mais bem equipada do que as de Clermont. Estava tudo ótimo!

No primeiro dia encontramos com o casal e algumas amigas. Ficamos conversando. Pouquíssimo em francês. Normal, todos falavam espanhol. O que não me incomodava. Ao contrário, gostava de escutá-los conversando e ficava tentando captar o assunto a todo custo. Fomos ao show, nos divertimos a beça e voltamos para a residência altas horas da madrugada.

(12ª noite do reggae. Ficamos tanto tempo do lado de fora, conversando e bebendo, que chegamos na metade do show. Foto tirada desse link)

No outro dia saímos para conhecer a cidade. Passeamos por todos os lados, almoçamos um enorme sanduíche, subimos o teléferico de Grenoble e passeamos pelo mercadinho de natal, tradição nas maiores cidades francesas. Com o dia terminando, fomos para um bar de narguilé perto do centro. Mais espanhóis. Comigo, separadamente, todos conversavam em francês. Mas um minuto de distração e me via as voltas com jotas em som de "r" e pronomes depois dos verbos. Como disse, não me importava com a língua. Es bellísima! Mesmo assim, quando escutava alguém falando francês era como música para os meus ouvidos.

Em conjunto, decidiram fazer um grande jantar. Passamos em uma loja para comprar comida e quando voltamos à residência me vi em uma cozinha com mais de 20 hispanohablantes. Estava na Espanha! Foi quando um deles me disse que na cidade havia mais de 200 estudantes Erasmus espanhóis. Fora os que vivem na cidade para fazer mestrado ou doutorado. Increíble tío!

Ele disse que todas as "nacionalidades" viviam assim. Ingleses, italianos, chineses, brasileiros. Grenoble tem uma pequena-grande comunidade de cada país. E isso pode ser ruim e pode ser bom. Viver com pessoas que partilham a mesma cultura é ótimo. Certeza de satisfação e festas semanais. Mas se o convívio for exagerado perde-se em aprendizado. Vive-se pouco da cultura francesa e fala-se menos ainda uma língua que não é nossa.

(Praça Central do campus da universidade de Grenoble. Excelência em ensino. Foto tirada desse link)

Até então tentava compreender o que era aquela cidade para um estudante estrangeiro. Tão grande... mas tão pequena. A capital dos alpes franceses foi feita para o aluno que não perde o foco. Para alguns, é fundamental equilibrar a experiência francesa e o convívio entre os pares para não voltar frustado do intercâmbio. Mas para outros pouco importa: tudo é festa!

Principalmente se for dia de clássico! Barcelona e Real Madrid disputavam o campeonato espanhol na noite do último dia da nossa viagem. Nem era para estarmos lá mas, por sorte, perdemos o trem e trocamos o bilhete para a manhã do dia seguinte. Quando entrei, o bar estava LOTADO. 3 telões e 2 pequenas tvs. Cerveja. Camisas e bandeiras dos dois times. Vi todas as pessoas que já tinha encontrado durante aqueles dias e mais uma penca de espanhóis. E argentinos, peruanos, brasileiros, franceses. 5 a 0 para o Barsa. Aquilo que era festa!

(É ou não é? Foto tirada desse link)