quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Tempo de mudanças

Eu estava pronta para começar mais um post. Ia escrever sobre a viagem que fiz no início de setembro pela Costa do Sol, no sul da Espanha. Seria mais um texto sobre uma viagem legal. Seria só mais um texto.


Comecei a pensar no por quê dos meus textos. E até no por quê do meu blog. Por que escrever um blog de viagens? Para que serve? As informações que eu posto aqui devem levar em consideração o que os leitores buscam? Ou eu deveria trazer coisas que eles não buscam pelo fato de que, antes do meu texto, eles sequer sabiam que essa coisa existia? Qual o meu papel como blogueira e jornalista? Qual a minha implicação frente ao objeto que descrevo?

Acho que poucas pessoas têm a oportunidade de refletir sobre o próprio trabalho e uma série de circunstâncias me fizeram ter a sorte de ser uma delas.

Em mais de três anos de blog eu escrevi algumas centenas de textos, recebi algumas dezenas de comentários e vi o número de visitantes do Eu mundo afora chegar a cifra dos milhares. Criei twitter, página no facebook, perfil no pinterest e tentei manter o meu leitor sempre informado. Revejo com orgulho tudo o que criei, mas com um olhar crítico.

Há algum tempo eu me preocupo consideravelmente com as implicações do turismo. Quase todos os cantos do mundo são possíveis vítimas de um ciclo vicioso que consiste em um lugar ser explorado e relatado por alguém, o relato cair no gosto do público, o público buscar esse lugar, esse lugar se adaptar ao público e assim deixar de ser o que era antes. Esse processo faz com que cidades, paisagens e até mesmo tradições percam as suas peculiaridades. Algumas ilhas da Tailândia, por exemplo, já não podem ser símbolo de calma e tranquilidade. A hula-hula no Havaí já deixou de ser apresentação para se tornar representação, exibida fora do seu contexto habitual.

O processo não é sempre igual e em cada parte há uma série de variáveis. Uma cidade demora anos ou mesmo décadas para se transformar em destino dos sonhos. As vezes ela nunca o será. Alguns povoados não se importam com o fluxo de turistas e não mudam por causa da nova rotina. Outros se adaptam e melhoram.

(Na Livraria Lello, em Porto (Portugal) a maior parte das pessoas entra, dá uma olhada, atrapalha o caminho, tira uma ou duas fotos e vai embora. Nem se lembram que aí se vendem livros)

Ainda que a transformação causada pela atividade turística não seja universal, ela é cada vez mais forte. Exemplos como o fechamento de praias por grandes resorts, a cobrança de entradas para a visitação de igrejas, o aumento considerável do valor dos alimentos e a mudança dos hábitos da população local visando sua adaptação à rotina turística mostram a influência dessa atividade.

Poder descobrir novas paisagens e conviver com outras culturas é um desses privilégios inolvidáveis. Quem viaja sabe o prazer que é chegar em um local onde tudo é novo. Passar o dia caminhando por ruas até então desconhecidas, observar as estruturas que dão vida ao ambiente, sentir um novo sabor ao experimentar uma mistura de tempero exóticos, ver um mundo de pessoas (in)visíveis, que choram, riem e sentem, quiçá, as mesmas emoções que sentimos. Mas hoje vivemos um grande paradoxo: as cidades se adaptam para receber um turista que, na verdade, quer conhecer este local exatamente por suas particularidades.

A mídia tem um grande poder nisso tudo, não só pela exposição que faz dos destinos turísticos, mas pela forma como se dá essa exposição. Uma pessoa que jamais viu um certo local tende a acreditar no que vê e a sentir o que sente o narrador de tal relato. É preciso pensar mais no que será exibido, ler mais o que será escrito, sentir mais profundamente a alma de um certo local - se é que ela existe - antes de apresentá-lo ao público.

Em busca de respostas para esse monte de perguntas, resolvi deixar o blog parado por um tempo. Prefiro esperar a continuar com a mesma fórmula que, para mim, já não faz sentido. Não vou apagar nenhum texto, sequer mudar seu conteúdo. Vou reorganizar e recomeçar. Aguardem!

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Colorido urbano

Grafite é o nome dado à todo tipo de inscrição - caligrafia ou desenho - feito em um suporte que não foi pensado para tal. Esse tipo de representação foi deixado de lado por muito tempo e até mesmo visto como forma de rebeldia. Há alguns anos, porém, o tema passou a ser levado a sério e hoje o grafite é considerado um tipo de arte visual, ainda que em ambiente urbano.

(Belo Horizonte)

Se levarmos em consideração a definição de grafite, também temos de incluir as tão contraditórias pichações e as intervenções feitas em monumentos públicos. Fugindo um pouco do debate sobre a validade desse tipo de ação, não há como negar que alguns grafites são verdadeiras obras de arte. E essas obras de arte fazem algumas ruas parecerem museus a céu aberto, capazes não só de embelezar a cidade como de comunicar a quem passa certos pontos de vista.

(O abandono. Belo Horizonte e Sevilha)

(Sevilha e Belo Horizonte) 

(Muitos grafiteiros enxergam sua arte como efêmera e, por isso mesmo, é constantemente usada para expressar um estado de espírito. Belo Horizonte e Sevilha)

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Carnaval cheio de arte

O Carnaval é uma data a ser festejada. E para isso é preciso saber pelo menos em que ponto do planeta Terra se quer estar. Conversei com um monte de pessoas para encontrar um bom carnaval. É interessante observar a visão das pessoas porque eu não buscava nada que tivesse a ver com meu país e mesmo assim todos começavam com "não tem nada a ver com o que acontece no Brasil...". A maior parte citou Veneza e o seu lindo desfile de máscaras, ou Colônia e os seus carros alegóricos, fantasias e marchinhas animadas.

Ao mesmo tempo que eu sofria por não estar no Brasil, eu queria experimentar algo totalmente novo. E ao mesmo tempo que eu podia desembarcar em qualquer lugar do velho continente, eu queria conhecer algo típicamente espanhol. Entre dicas dos outros e opiniões pessoais, fiquei com Cádis.

(Foto tirada desse link)

Cádis está no sul da Espanha, banhada pelo oceano Atlântico. Conhecida por ser uma das cidades mais antigas da Europa e palco de inúmeras batalhas importantes, ela também tem uma enorme importância em âmbito nacional por sua posição estratégica e seu comércio, chegando a ser uma das cidades mais ricas da Espanha.

(Um dos símbolos de riqueza da cidade é o Gran Teatro Falla, palco, entre outras coisas, do concurso de agrupações de Carnaval)

Ainda que a sua história seja muito interessante, o que mais me importa nesse momento é o fato de Cádis ter um dos melhores carnavais do país. A comemoração tem o título de Interesse Turístico Internacional e forma parte da lista dos dez Tesouros do Patrimônio Cultural Imaterial da Espanha. Os títulos reforçam a verdadeira festa que as pessoas fazem na rua, todos os anos. Eu ainda não sei como é o clima da cidade, mas esse fim de semana pude ver e entender melhor o que acontece ali.

Ao ritmo do pasodoble

O que difere o carnaval de Cádis de qualquer outro lugar do mundo é o tradicional Concurso de Agrupações. Nele participam diversos grupos que tem como objetivo criar e apresentar suas músicas para os jurados e toda a plateia que os espera no Teatro Falla. Os vencedores ganham prémios gordos da prefeitura e um grande reconhecimento por parte da população.

(O bonito é ver que mesmo com a fama que o carnaval de Cádis vem ganhando as pessoas da própria cidade ainda são as que mais aproveitam. Isso é uma fila de alguns fanáticos que esperaram dois dias - e ainda iam esperar outros dois - para comprar as entradas para as quartas e as semifinais dos concursos)

As agrupações normalmente começam a ensaiar em junho do ano anterior para se apresentar alguns dias antes do Carnaval, quando começam as classificatórias. Depois de 10 dias de classificatórias há um descanso e começam as quartas e as semi-finais. Um dia antes do feriado em si acontece a final.

(O Teatro está separado em cadeiras centrais, laterais e espaço superior (veja no link). Eu fiquei no paraíso, mais conhecido como gallinero - afinal, é ali que a plateia mais grita)

É quase impossível conseguir ingresso para a tão esperada final. Elas são distribuídas por meio de sorteio e para se ter uma noção, esse ano foram mais de 17 mil inscritos para 800 lugares. Para as quartas e semi-finais, bem... vocês viram a fila. A única quase certeza de ver o espetáculo é comprar as entradas para as classificatórias, que são vendidas no próprio teatro ou por internet.

(Los Prodigio, uma das chirigotas desse ano. Cada uma das agrupações canta uma série de músicas e fica no palco cerca de 20 minutos)

Há diferentes tipos de agrupações. Os coros são os maiores. Apresentam 45 pessoas, parecem uma orquestra pela quantidade de instrumentos e vozes. As comparsas são compostas por 15 pessoas e apresenta uma temática séria, de crítica social. Buscam um maior refinamento musical e instrumental, nesse sentido. As chirigotas se apresentam com 12 pessoas no palco e também fazem crítica social, mas de uma forma bastante irônica. A intenção é fazer o público rir. Há também os quartetos, que podem ser formados por quatro ou cinco pessoas. O objetivo é fazer um mini-teatro cômico para divertir a plateia, sem qualquer intenção de crítica. As vozes ocasionalmente são acompanhadas por um violão.

(Coro Los que viven como reyes, no Teatro Falla. No tempo que eles ficam no palco têm de cantar Apresentação, Tango, Cuplé e Popurri)

Há dois ritmos tipicamente carnavalescos para os gaditanos. Um deles é o tango, um palo de flamenco que se originou em Cádis e apresenta um compasso em 4x4. O tango (ou tanguillo) está para o carnaval andaluz assim como as marchinhas estão para o nosso carnaval. O outro é o pasodoble, um ritmo típicamente espanhol surgido no século XVI que também leva um compasso de 4x4 modificado ao 3x4.

(Júlio Pardo, um dos maiores autores do Carnaval de Cádis durante apresentação do coro Los Manitas, em 2011. Foto Diário de Cádiz, tirada desse link)

Um punhado de impressões

Se você está achando que os coros daqui tem alguma coisa a ver com aquele monte de adultos cantando música de natal ou fazendo apresentação beneficiente de final de ano você se engana. As agrupações que participam do concurso são pura arte. A energia de um grupo ao subir no palco é impressionante. Eles sorriem, dançam e até fazem coreografia. Ao invés daquela túnica feia que vai até o pé, levam fantasias super divertidas. A música clássica sai de cena e entram ritmos espanhóis super animadas, a letra religiosa vai embora e entram canções que fazem a plateia chorar de rir.

(O Gran Teatro Falla)

Esses grupos também saem às ruas nos dias do carnaval. E há também grupos que não gostam de competir e não estão no teatro, mas criam letras, música e inventam fantasias só para para animar os foliões. Com suas letras divertidas e seu compasso marcado pela melodia dos violões, essa arte made in andaluzia faz do carnaval de Cádis um dos mais autênticos de todo o mundo.

(As agrupações que animam o carnaval na rua. Foto tirada desse link)
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quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Viagem rumo ao fundo do mar

Atravessar o oceano Atlântico e recomeçar a vida em outro continente. Foi em busca desse sonho que 2.240 pessoas embarcaram no Titanic, o maior navio jamais construído até então. Nele estavam crianças, adultos e velhos. Jovens sonhadores e famílias inteiras. Gente de toda parte do mundo com todo tipo de passado e uma nova perspectiva de futuro.

O Titanic saiu do porto de Southampton no dia 10 de abril de 1912. Quatro dias mais tarde, por condições atmosféricas ou por irresponsabilidade da tripulação, o navio naufragou nas gélidas águas do Atlântico levando mais de 1.500 pessoas com ele.

(Foto da viagem inaugural do imenso Titanic)

Da história do Titanic muito se sabe. Do desespero que passaram as pessoas que estavam ali dentro ao ver o que estava acontecendo muito se imagina. Por mais explorada que esteja, a história da viagem desse enorme navio transatlântico ainda chama minha atenção.

(Réplica em escala real do Titanic)

Tive certeza disso depois de visitar a exposição sobre o Titanic aqui em Sevilha (Pabellón de la Navigación, aberta até o dia 7 de abril. Entradas a 10 euros - segundas-feiras a entrada sai por 5 euros. Mais informações nesse link). Sinceramente, eu esperava que tivesse mais objetos e mais reproduções dos ambientes do navio. Ainda assim, me parece absurdo pensar que tudo o que estava a minha frente eram documentos de pessoas que passaram por aquilo ou materiais retirados do fundo do mar.

(Espreguiçadeiras dos pátios do navio e conjunto de porcelanas usados nos jantares de luxo)

Ainda mais interessante do que ver os objetos e imaginar como um navio daquele tamanho naufragou é escutar a história de alguns dos seus passageiros. A história do Titanic são as histórias de quem estava a bordo. Algumas são realmente incríveis como a de Margaret Brown, uma estadunidense muito rica que devido ao seu espírito de liderança ajudou muitas mulheres a entrarem nos botes salva-vidas. Algumas horas mais tarde, quando encontraram ao Carpathia, ela foi uma das principais lideranças na organização da lista de sobreviventes, da comunicação entre os tripulantes (por falar mais de uma língua) e mais tarde mandou encomendar uma medalha para cada um dos tripulantes do Carpathia, por toda a ajuda.

(A "inafundável" Margaret Brown e foto de um bote com sobreviventes do Titanic)

A verdade é que os botes podiam suportar cerca de 1.200 pessoas, pouco mais da metade da tripulação. Além da falta de equipamentos de segurança para todos, o desespero das pessoas foi tão grande que muitos botes não navegaram com uma capacidade ainda menor.

(Maquete dos botes que deveriam salvar a vida dos tripulantes do Titanic)

Outra história digna de cinema é a de Rosalie e Isidor Straus, um rico casal alemão. Assim que o navio bateu no grande iceberg, eles foram levados ao ginásio para tentar entrar em um dos botes. Como a ordem era a de esperar que todas as mulheres e crianças ocupassem os lugares nas pequenas embarcações, Isidor não aceitou sentar-se ao lado de sua mulher. No mesmo instante, Rosalie deixa o bote dizendo que passou toda a vida com seu marido e não iria onde quer que ele fosse. Os dois então se sentaram em uma das espreguiçadeiras do convés e seguiram abraçados, esperando juntos a sua morte.

(O casal Straus causou comoção na comunidade judia)

Como hoje em dia é quase impossível pensar em Titanic sem se lembrar do filme, a exposição faz referência a algumas passagens do longa metragem e desmitifica verdades e mentiras. Para os amantes da história de amor entre Jack e Rose, sinto-lhes informar que aquilo é mentira. O caso foi inspirado em diversos incidentes e personagens que existiram mas a história em si não é real. Na exposição explicam que o caso que deu maiores bases para a criação do casal foi inspirados na história de um casal que se casou contra a família. O marido queria dar uma vida melhor a sua esposa e por isso embarcou no Titanic, com a intenção de recomeçar tudo do outro lado do oceano. O homem deu um colar para sua mulher dias antes de partir (muito menor que o do filme).


(Réplicas de alguns dos ambientes do barco. Na primeira foto, o corredor que dava passagem aos camarotes de primeira classe. Na segunda foto, um salão privado)

Uma da histórias verdadeiras é a dos músicos. Em uma tentativa de acalmar a todos - e a si mesmos - pararam de correr e começaram a tocar. Alguns sobreviventes relatam que no meio de toda a confusão, ainda escutavam os acordes de uma linda canção, o hino Nearer, My God, to Thee (algo como "mais perto de ti, senhor").

(O navio e a sala de comunicação de onde foram passadas as primeiras informações sobre o naufrágio)

Outra parte super interessante da exposição é o enorme bloco de gelo com ares de iceberg. A maior parte das pessoas que não se afogaram, mas morreram por hipotermia ou congelamento. É fácil entender como isso é possível deixando a mão por alguns segundos ali no gelo... A dor é insuportável.

(Réplica de um quarto da 3ª classe)

(Pintura da famosa escadaria da sala de jantar)

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Calle Feria - Sevilha

—  Se fosse para escolher uma rua em Sevilha, qual seria?
—  A Calle Feria - respondi, sem pensar muito.

Essa é uma daquelas escolhas que fazemos sem muita razão. Isso porque a Calle Feria não é a rua mais bonita da cidade. Não tem ponto turísticos importantes, não tem os melhores bares, não tem a melhor balada. Mas ela tem um clima diferente. O que eu sinto quando ando por lá é uma mistura de curiosidade com tranquilidade. A curiosidade vem da vontade de entrar em cada um dos seus restaurantes, lojas e bares super originais. A tranquilidade é algo um pouco inexplicável... É como saber da sorte em estar lá e aproveitar conscientemente o meu tempo livre. A rua faz com que eu me sinta em casa.

(Mercado de rua todas as quintas-feiras)

A Calle Feria guarda alguns segredos que turistas com pressa jamais vão descobrir - e outros que alguns moradores ainda não sabem. Não me atrevo a dizer que conheço a rua nos seus mínimos detalhes, mas depois de alguns dias por ali posso dar algumas dicas preciosas.

(Do lado de fora do mercado os moradores passam. A Calle Feria e sua vida normal seguem seu curso)

A primeira é dar uma voltinha pelo Mercado de la Calle Feria. O local está ao lado da igreja de Omniun Sanctorum, um dos mais antigos da cidade e que melhor conserva a arquitetura medieval (e já que se está ao lado, vale dar uma entradinha para observar como a igreja está ornamentada). O edifício no qual o mercado foi construído também leva anos e anos. Ele data de 1719 e foi reformado algumas vezes.

(Produtos comuns colorem as lojas)

O charme do mercado da Calle Feria está no fato de ele ser feito pelos moradores, para os moradores. Tudo ali é bastante simples e reflete bem o dia a dia da vizinhança. Frutas, verduras e legumes são os itens que encontramos em maior quantidade. Há outras que vendem de carnes, peixes e pães. Algumas são particularmente especiais, como a vendinha de quitutes com biscoitos e tortas que são um abuso e a cheirosa loja de essências.

(Itens de luxo)

A outra preciosidade da Calle Feria é o La Cantina. O local fica escondido entre a igreja e o mercado. Se você vir um beco bem pequeno entre as duas construções pode entrar sem medo. Alguns metros depois o que aparece é um pátio aberto cheio de mesas.

(Aproveitando a hora do almoço para tomar uma com os amigos)

E onde tem mesa... tem cerveja. E uma porção de tapas de dar água na boca. O La Cantina não têm cardápio porque a cada dia se preparam pratos diferentes. A ideia é chegar lá e perguntar o que sai. Sardinha frita, camarão empanado, paella e croquetes de presunto são algumas opções. As mulheres que trabalham lá anotam o seu pedido na parede, em um azulejo, e na hora de pagar a conta fazem tudo ali mesmo.

O La Cantina funciona das 10h as 17h e na hora do almoço ele está sempre cheio de gente. A maior parte vai ali para comer, mas sempre tem que aparece só para tomar uma cerveja. O melhor é o ambiente descontraído que faz você se sentir em horário de happy hour ainda no meio da tarde.

(Tortilla de camarones feita na hora...!)

O dia que o bar está mais cheio é as quintas-feiras. Na verdade, tudo na Calle Feria se enche nas quintas-ferias devido ao seu tradicional mercado de rua, o mais antigo da cidade. Aí você me pergunta: "antigo como 70 ou 80 anos, certo?" Pois imagine você que o rei Fernando III de Castilla concedeu o direito de fazer esse mercado ainda em 1254.

(Início da feira. Trânsito fechado e passagem livre para pedestres)

A feira moldou um pouco a história da própria rua que, tradicionalmente, sempre foi um local conhecido pelo grande número de artesãos, carpinteiros, pintores e todo tipo de artistas. O mercadillo de los jueves foi evoluindo com o passar dos anos. Sem entrar no mérito do "antes era melhor", a feira de hoje vende de tudo um pouco. De tudo um pouco MESMO. Livros, discos de vinil, cabelos de boneca, obras de arte, cordas para violão e toda sorte de chaveiros, isqueiros e penduricalhos podem ser encontradas pelo trajeto.

(De chaves de fenda a telefones antigos. Para não dizer que estou mentindo...)

Entre as minhas preferidas está uma tenda de roupas com peças de 1 a 5 euros, incluindo blusas em jeans e jaquetas de veludo. Também vale a pena ficar de olho nos livros (alguns a preços bem modestos) e nas bijuterias.

(Os cachecóis estavam a módicos 3 euros e o cavaquinho ali ao lado custava só 35)

(De todas as cores, para todos os gostos)

(Em algumas tendas dá vontade de comprar absolutamente tudo. Em outras...)

Quando o assunto é noite a Calle Feria também oferece boas atrações. Um dos locais mais inusitados dali é o Doctor Bar. Na porta, os clientes são recebidos por uma caveira que leva uma placa de boas vindas no pescoço. Do lado de dentro, pipetas, termômetros e uma série de elementos de laboratório fazem parte da decoração. Outro que eu adoro é a Bicicleteria, um espaço que funciona como bar e casa de shows com uma decoração super alternativa. Todos os dias há alguma coisa na programação. Gosto de ir às terças-feiras, quando há concertos variados a partir das 22h.

(A cada terça, uma surpresa. No palco da Bicicleteria pode surgir jazz, blues e até música brasileira)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Bairro Santa Cruz - Sevilha

Há muitos e muitos anos, vivia um rei em Sevilha. Para ele, não existia lugar mais bonito no mundo que sua adorável cidade. O seu outro amor era a rainha, famosa por seu génio forte. Um dia, sem mais nem menos, ela lhe disse: "Me desculpe carinho, mas Granada é mais bonita que Sevilha". Ele ficou inconsolável... Não acreditava que sua amada esposa preferia a cidade vizinha. Sevilha tinha um castelo, uma igreja enorme, um clima invejável. Ali não lhe faltava nada... então, por quê? A explicação foi simples: "Em Granada neva".

No outro dia, quem passava pelas ruas de Sevilha via dezenas de homens trabalhando. Eles plantavam pequenas mudas de laranjeira pela cidade. Um amigo do rei lhe perguntou: "O que o senhor está fazendo?". Ele respondeu com um sorriso: "Espere até a primavera". Na entrada da estação, as laranjeiras estavam cheias de lindas flores brancas que, alguns meses depois, se desprendiam dos galhos e caiam suavemente nas ruas de Sevilha, como caem os flocos de neve.


Essa é uma das tantas e tantas lendas da cidade de Sevilha. Algumas são verdadeiras e outras...  pouco importa o que são. Elas dão um clima misterioso para a cidade. A maior parte delas está relacionada com Santa Cruz, o bairro onde vivia a população judaica. Este é o bairro mais pitoresco de Sevilha e chama a atenção por sua beleza e originalidade.

(Quem não queria morar numa dessas?)

Santa Cruz é um bairro para se perder. E mesmo que essa não seja a sua intenção, você vai ficar perdida da mesma maneira. As ruas são estreitas e labirínticas. As casas que circundam o bairro têm, em sua maioria, paredes brancas com as bordas amarelas, laranjas ou vermelhas. As varandas são cheias de enfeites em ferro e adornadas por plantas e flores. E entre uma ruela e outra, quando você menos espera, vai dar de cara com um pátio cheio de árvores e banquinhos com azulejo.

(Santa Cruz é um mundo a parte)

Por ser tão peculiar, o bairro se tornou um chamariz para os viajantes. Ali há uma infinidade de hotéis, restaurantes de luxo e boutiques cheias de mimos. Isso sem contar nos próprios turistas, que estão por todas as partes. Mas com sorte você encontra uma rua ou outra onde eles não existem e então você pode se sentir (por quê não?) o dono do pedaço.

(Restaurante na linda Plaza Doña Elvira, um do ponto mais visitado do bairro)

Encontrar esses pequenos oásis de paz em Santa Cruz não é difícil... difícil vai ser voltar de lá. Não conheço ninguém que nunca tenha se perdido aí e, ainda hoje, sei de poucos sevilhanos que andam pelo bairro com a segurança de que estão fazendo o caminho correto. Se perder não é um problema (longe disso...) mas para conhecer o bairro Santa Cruz sem dar volta e voltas é interessante fazer pelo menos uma vez o passeio com um guia turístico que conheça bem o local - e que possa contar algumas de suas lendas.

(Varanda perto dos famosos jardins de Murillo e linda Plaza de Santa Cruz)

Fiz um passeio com o pessoal do Sevilla Low Cost (a atividade é gratuita e, no final, cada um paga o que quer). Nos encontramos no início da noite e fizemos um percurso interessante pelo bairro, no qual a guia ia contando histórias e lendas sobre Santa Cruz de uma maneira bem divertida.

(Reza a lenda que em um dos quadros de azulejos da Igreja de São Pedro, quem não encontrar o passarinho escondido está fadado a ficar solteiro pro resto da vida)

As lendas que mais me chamaram a atenção têm a ver com a história de vida dos judeus que moravam ali. Uma delas diz respeito a matança que ocorreu em 1391, a mando do rei católico. Nesse período mais de 4 mil judeus foram mortos e alguns deles escaparam ao conseguirem se refugiar em uma rua pequena e escondida, que dava saída ao bairro. Hoje em dia essa rua se chama Calle de la vida. Já a rua na qual começou o ataque se chamava Calle de la muerte. Chamava: os residentes reclamaram tanto do seu nome que ele foi alterado.

(Nessa ruazinha estreita era interessante olhar para cima e ver que os prédios quase se tocando)

O passeio pelo bairro terminou na Plaza del Salvador. O espaço leva esse nome devido à igreja construída ainda no século XVII. Ao pé da igreja uma bela escadaria onde as pessoas descansam durante a tarde e os jovens se sentam para beber e conversar durante a noite. Em frente, bares de tapas sempre cheios de clientes, faça sol ou faça frio. Como é impossível ficar do lado de dentro, todo mundo faz o pedido e escolhe uma das mesas que fica do lado de fora. 

(Um dos melhore pontos da cidade para tapear)