quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Nostalgia à bolognesa

Eu costumo dizer que a partir do momento em que resolvemos fazer um intercâmbio, viajar para fora, para estudar ou trabalhar, estamos fadados a sentir saudade. E ouso dizer que isso é pra sempre. O bom é que, pelo menos pra mim, essa saudade não é daquelas doídas, costuma vir como uma cosquinha gostosa e me deixar com um sorriso bobo no rosto.

(Ruela do Mercado Velho em Bologa. Só saudades... Foto de Juli Borsa - Mochila da Juli)

Escrevendo sobre Bologna, procurando fotos para ilustrar os posts, tantas lembranças vieram a minha cabeça. Pessoas, lugares, conversas, comidas, festas, sensações. Acho que esse sentimento independe do local para o qual se foi, mas tenho certeza que cada lugar deixa na gente marcas, experiências e saudades bem específicas.

De Bologna guardo coisas que só Bologna poderia ter me oferecido. Não que eu não queira morar em outras cidades por uma temporada ou que eu ache que não existam outros lugares maravilhosamente bons pelo mundo. É só porque, pra mim, morar em Bologna foi especial (talvez também por ter sido a primeira vez em que morei fora de casa).

(Um pisolino depois do almoço não faz mal pra ninguém. Foto tirada desse link)

Levo não só as paisagens e sabores, mas também a tranquilidade e a calma com que as pessoas andavam e viviam. Não sei dizer se é coisa de italiano, mas pelo menos em Bologna as pessoas pareciam não ter pressa. Desde os passos lentos nos passeios largos até as 3 horas de almoço, que permitiam uma boa siesta ou pisolino (em português, cochilo), a qualquer cidadão de bem. No horário de almoço fecha-se tudo: bancos, lojas, até farmácias. Acho que só os restaurantes não se incluíam nessa. E foi bom perceber que ninguém morre com isso e que tem coisas sim que podem ser deixadas para depois, sem nenhum dano.

Na Europa os próprios italianos dizem ter fama de preguiçosos, mas não acho que seja bem assim. O que sei é que a mim fez bem viver em marcha mais lenta, com tempo para cafés e sorvetes no final da tarde (que não são luxos apenas de turistas e intercambistas), tempo para admirar os já falados pórticos e até tempo para o doce “bel far niente”. Eu adoro essa expressão italiana e, como eles, acho mesmo que existe beleza no ócio.

(A mãozinha balançante... tão necessária quanto a própria língua. Foto tirada desse link)

Além de amar a sonoridade da língua italiana, tem diversas expressões nesse idioma que eu adoro, a maioria pela criatividade. As que eu mais gosto, por serem super divertidas, são as utilizadas para desejar sorte a alguém que enfrenta uma circunstância difícil: uma prova, um jogo disputado, uma entrevista de emprego. Nesses momentos os italianos costumam dizer In bocca al lupo!, o que significa “Na boca do lobo!”. A pessoa que recebe os auguros de sorte responde, então, Crepi! É como se a pessoa estivesse dizendo algo do tipo “Matarei o lobo” ou “O lobo já era”. Veja bem a situação: você está na boca do lobo e ainda assim consegue matá-lo. Isso, de fato, só pode ser muita sorte. Usando essa mesma lógica, porém de forma um pouco menos delicada, existe também a expressão In culo alla balena! ou “No cú da baleia!”. E se você está lá e sobrevive, é mesmo um cara de sorte.

Também adoro a palavra ubriaco, que significa bêbado. Quando está no aumentativo então, fica mais legal ainda: ubriacone. Aliás, o aumentativo e o diminutivo em italiano são uma delícia de dizer: one (ão) como em bacione (beijão) e etta (inha) como em casetta (casinha). Existem várias outras palavras que eu sinto grande prazer em pronunciar: zucchero (açúcar), cucchiaio (colher), coniglio (coelho) e marciapiede (calçada) são algumas delas. Não me canso de me apaixonar pelo idioma italiano. Antes de começar a aprendê-lo jamais pensei que estudar línguas pudesse ser tão gostoso. Todo início de mês uma das italianas que morava comigo pegava um calendário que tínhamos na cozinha, com fotos de frutas, verduras e legumes, e fazia uma arguição comigo e com a nossa coinquilina francesa para ver se sabíamos os nomes dos alimentos, e até isso era legal.

(Frisbees pela madrugada)

De Bologna sinto ainda saudade do corredor da casa onde morei, único, enorme, quase sem fim. Era um apartamento com nove quartos distribuídos por um longo corredor. E o mais engraçado: o patrono da casa (como se diz proprietário por lá), que pra mim não batia muito bem das ideias, não alugava todos e deixava cinco dos quartos trancafiados. Lembro do trenzinho que fizemos no corredor durante uma festa. Jogávamos até frisbee ali, como se fosse um grande parque. Recordo-me ainda, porém sem tanta saudade, da preguiça que tinha de ir ao banheiro quando acordava no meio da noite. Como já disse, o corredor era infinitamente longo e o banheiro, lá no final, bastante longe do meu quarto.

Da casa, guardo na memória também a cozinha, com quatro geladeiras e dois fogões - afinal, nos tempos áureos, com os nove quartos ocupados, onze mulheres chegaram a morar lá ao mesmo tempo. Acho que a cozinha era o lugar onde mais ficávamos. Fazíamos almoços e jantares coletivos, onde cada uma contribuía com o que tinha na geladeira ou no armário e macarrões maravilhosos surgiam.

(Violões e cantoria. Foto tirada desse link)

Ainda guardo o gostinho bom de falar que era brasileira. Não sei se é assim com todo mundo que vai pra fora, mas não me recordo de uma vez em que disse vir do Brasil e a pessoa não abriu um sorriso ou elogiou a alegria e a beleza da nossa gente. Conheci sim, e infelizmente, pessoas que achavam que a capital do Brasil era Buenos Aires, mas isso é recompensado por outras tantas pessoas que realmente se interessam pelo nosso país, nossa cultura, comida e nossa língua.

Sinto falta também do ar musical de Bologna. Deixava o dia mais leve trombar com artistas de rua nas esquinas, entoando canções nessa língua que já é melodia. Domingo na Piazza Maggiore vários deles se reuniam, fazendo de mágica à acrobacia, além de música, é claro.

(A Europa e sua antiga relação com os artistas de rua)

Uma das maiores saudades que sinto da vida em Bologna são das tardes e noites passadas nas praças e parques. Acho que isso não é algo específico da cidade, é coisa de europeu (e das boas). Admiro como o espaço público ali é de fato público, como as pessoas o utilizam de verdade. No verão, quando o calor em Bologna é absurdo, as praças e parques ficam lotados. De dia era parque, pic nic, sol, violão, baralho, bola e, às vezes, cerveja. À noite sentávamos nas praças, ao pé de suntuosas igrejas, e era mais violão, mais cerveja e muito, muito papo. O melhor é que no verão a noite ainda é dia. O sol dura até umas 20h30, o que faz a gente perder a noção do tempo de um jeito delicioso e achar que é sempre mais cedo do que realmente é. Tinham ainda as festas na rua, em meio às belas construções, e aquelas que ocupavam até os prédios da universidade.

(As praças quando a noite se fazia noite, por volta das 21h30 ou 22h)

De Bologna só guardo gostosas lembranças e as doçuras de um intercâmbio, que para mim é um parênteses na vida, um parênteses bem recheado de coisas boas e novas experiências. Bologna foi minha segunda casa e acho que será sempre essa a sensação que terei ao visitá-la. É uma delícia saber que não temos apenas um lugar no mundo.

Se quer saber mais sobre as experiências da saudosa Júnea Casagrande em Bologna, entre nesse, nesse e nesse link.

Um comentário:

  1. Delicioso e nostalgico, senti saudades das minhas viagens internas, vividas no norte dessas minas... E mais, me deu vontade de ter as minhas proprias historias para poder contar...

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