terça-feira, 3 de abril de 2012

Os temperos do deserto


“o verdadeiro charme das pessoas reside em quando
 elas perdem as estribeiras, quando elas não sabem
 muito bem em que ponto estão. (...). Aliás fico feliz de
 constatar que o ponto de demência de alguém seja a
 fonte de seu charme”. 

 Gilles Deleuze

Para explicar como foi viver um mês e meio no deserto é necessário explicar meu ponto de demência. Fui movida por paixões cheguei no Atacama sem saber muito bem onde estava e contava com a sorte para me estabelecer. Hoje, tenho plena consciência de que mudar-se para um lugar sem a perspectiva de poder voltar caso tudo dê errado não é o melhor tipo de adrenalina a se buscar na vida. No entanto, em dezembro de 2011, eu era só coragem, otimismo e espírito aventureiro – cheguei em San Pedro com dinheiro suficiente para durar uma semana e meia sem trabalhar.

(Porta de agência de turismo, em San Pedro de Atacama. Foto tirada desse link)

Toda a minha imprudência se baseava na promessa da minha amiga “que trabalho na cidade para quem fala três idiomas é ridículo de conseguir”. De fato, se você conhece alguém que já trabalha lá, encontrar emprego não é problema. Como tinha boas indicações em duas semanas arranjei dois empregos: trabalhava de 8h00 às 15h00 em uma agência de turismo e de 16h00 às 01h30 em um restaurante. Trabalhei vendendo tours sem ter feito nenhum deles e como garçonete sem nenhuma experiência prévia. Como? Aceitando ordens, sorrindo muito e falando português, inglês e espanhol. Muita disposição e domínio de mais de uma língua não raro é o suficiente para superar as burocracias de visto de trabalho e conseguir um emprego informal sem contrato – e isso é tão útil quanto perigoso.

Eu, garzona

Trabalhar em um restaurante no exterior foi um grande aprendizado. Profissional e pessoal. Aprendi muito sobre a cultura e comida chilena, sobre como é difícil atender pessoas, sobre como é se sentir impotente quando você não sabe qual é o limite entre o absurdo, a hierarquia e a diferença cultural.

(O gay friendly Expor. Foto tirada desse link)

Trabalhei no Restaurante Expor, o único realmente gay friendly de San Pedro e um dos mais badalados. Quando dizia que trabalhava lá a maioria das pessoas fechava a cara e dizia que achava “pesado”. Com o tempo, descobri que eles não se referiam à grande carga de trabalho, mas à quantidade de drogas que alguns dos empregados de lá consomem. Além disso, para minha surpresa, essa fala existia em muito por um preconceito quase generalizado ao status “gay friendly” do bar.

Apesar do trabalho duro eu gostava muito de lá. Eu não ganhava muito dinheiro por falta de experiência, mas contava com o pagamento diário de uma média de $ 12 000 chilenos (algo em torno dos R$45,00 entre gorjeta e pagamento de turno). Por sorte os garçons simpatizaram comigo e me ensinaram tudo com muita paciência, foram as melhores pessoas que eu encontrei por lá. E eu tinha que aprender TUDO: desde como segurar uma bandeja até como explicar em inglês os ingredientes dos pratos (que eu tampouco sabia o que eram em português). Uma das cozinheiras me odiava e até que ela se acostumasse com a minha ignorância linguística e cultural fui vítima de bullying.  Tive que aprender a lidar com brasileiros que clamavam minha atenção, como se eu pudesse me sentar, dar todas as dicas da cidade enquanto eu me esforçava para não derrubar nada no chão.

(O aconchegante pátio do restaurante Adobe. Foto tirada desse link)

Mesmo tendo trabalhado em um restaurante - o que geralmente cria ojeriza na maioria das pessoas - eu acabei me apaixonando pelos pratos chilenos. Apesar de dependerem muito de importações, o cardápio básico do país apresenta ampla variedade de frutas, legumes e temperos. Ou seja: comer no Chile é caro, mas vale a pena.  Além disso, sou obrigada a reconhecer que os peixes e mariscos do Pacífico não só têm um aspecto diferente como um gosto excepcional.

Fica proibido não provar

Pan y pébre: Entrada servida em quase todos os restaurantes. Consiste em fatias de pão acompanhados por um molho picante de tomate com cebola, ají (espécie de pimenta grande que pode ser amarela ou vermelha), azeite, limão, sal e pimenta. Cada estabelecimento tem sua maneira de produzir o pébre (se lê pêvere), mas a receita não costuma variar tanto.

Completo: Cachorro quente chileno. O tradicional traz salsicha, um molho picante de tomate e muita palta (abacate chileno. É menor que o brasileiro e é sempre servido com comidas salgadas, ou até mesmo como manteiga no pão)

P.S.: Quando disse que comíamos abacate com açúcar alguns chilenos fizeram a mesma cara que você provavelmente acabou de fazer ao imaginá-lo em um cachorro quente.

Ceviche: Peixe cozido apenas em suco de limão. Geralmente leva cebola, sal, condimentos como salsa e pimentão. Dizem as más línguas sulamericanas que o ceviche chileno é muito diferente do peruano.

(Ceviche feito por uma amigo chileno em Valparaíso)

Cazuela: Espécie de ensopado com legumes como batata, cenoura, abóbora, cebola e macarrão ou arroz. Pode acompanhar carne de boi, frango e até mariscos. É muito leve e nutritivo, geralmente tem gosto de “comida de casa”.

Mojito con coca o albaca: Como encontrar hortelã é bem difícil nas redondezas do Atacama geralmente o Mojito é feito com folhas de coca ou de manjericão (albaca em espanhol). Honestamente prefiro com hortelã, mas provar esse Mojito (e quase toda lista de drinks abaixo) é uma questão de imersão cultural.

(Uma das minhas cazuelas preferidas)

Michelada: Chopp com limão, sal na borda do copo e Merken (uma espécie de pó de ají defumado e aromatizado com ervas).


Pisco: Os argentinos estão para o Fernet assim como os chilenos estão para o Pisco. Esse destilado de uva é incolor e muito apreciado nas formas de Pisco Sour (quase uma caipirinha, trocando cachaça por pisco) e  Piscola (pisco + refrigerantes de cola)

Fanchopp: Não era raro ver pessoas tomando as tradicionais cervejas Escudo ou Cristal misturada com fanta.

(Compartilhando uma Escudo com minha amiga chilena)

Top 7 – Restaurantes /Bares

San Pedro tem quase uma infinidade de bons restaurantes. Às vezes fica realmente difícil escolher um, principalmente quando não se tem um padrão de custo benefício como base de comparação. Segue abaixo uma lista dos meus favoritos em qualidade/preço/atendimento.

 - Restaurant Sol (Rua Tocopilla, entre Caracoles e Gustavo Le Paige)
Depois de minha experiência de “Supremacia da Carne” em Buenos Aires, mal pude acreditar na qualidade das saladas desse lugar. São grandes, variadas e bem feitas. Além disso, os hambúrgueres também são deliciosos e podem ser divididos por 2 pessoas com satisfação garantida. Preço médio por refeição: $ 4000 pesos chilenos, sem bebida.

(Nas Delícias de Carmen as empanadas são especialidade. Foto tirada desse link)

 - Delícias de Carmen (Rua Calama, entre Gustavo Le Paige e Licancabur)
A opção Legumbres del dia acompanha salada e deixa satisfeito qualquer pessoa da Terra que ama verduras e vegetais bem preparados. Surpreendentemente essa sopinha de legumes tem o melhor custo-benefício da região – sai apenas a $ 1800 pesos chilenos. Além da opção econômica, as carnes são deliciosas e a qualidade da entrada e do suco natural em jarra se destacam.

 - Pasteleria (Rua Ckilapana, nos Pueblos Artesanos)
Um pouquinho mais afastado do centro de San Pedro, essa confeitaria oferece os melhores doces pelos menores preços: nada custa mais que $1000 pesos chilenos! Guardo amor eterno pela Torta Tres Leches e pela Torta de Frutilla.

 - Café El Peregrino (Rua Gustavo Le Paige, perto da igreja da praça Central )
O “cafezinho”, como conhecemos, não é o melhor, mas o Café Helado e o Milk Shake de Frutas naturais são ideais para o fim de tarde. O ambiente é fresco e agradável, ótimo para curtir a praça central da cidade.

(Para passar a tarde sem compromisso. Foto tirada desse link)

 - Heladería Babalú (Rua Calama, quase esquina com Domingo Atienza)
Definitivamente o melhor sorvete artesanal de San Pedro. O preço da bola de sorvete é de $ 1300 pesos chilenos e a parte mais difícil é conseguir não se viciar. Destaque para os sabores Frutas del bosque e o tradicional Chocolate.

 - Expor (Rua Caracoles com Toconao)
Oferece o melhor clima “balada gringa” do povoado. O bar sempre fica cheio e eventualmente há DJs e, dependendo da animação do público, a noite pode ser dançante. O bar não pode ficar aberto além das 1h30, mas é uma boa opção para esperar e descobrir onde é a festa clandestina do dia. Destaque para o Mojito de Coca e para o Drink San Pedro en Llamas.

 - Chelacabur (Rua Caracoles)
Como boa mineira me encantei com o único boteco da cidade. Mais frequentado pelas pessoas que vivem na cidade o bar oferece serviço rápido e a cerveja litro mais gelada da região. Abre às 10h00 e empresta baralho para os quem precisa matar o tempo ou quer fazer amizades.

(Telão na parede, pizza e cerveja gelada. Um paraíso para uma mineira. Foto tirada desse link)


Para saber mais sobre essa deliciosa experiência de Tamira Marinho em San Pedro de Atacama acesse esse link.

Nenhum comentário:

Postar um comentário