terça-feira, 1 de maio de 2012

Impressões do sertão mineiro

Dizem por aí que a vida é feita de momentos. Eu diria que a vida é feita de encontros. Encontros com lugares, com culturas, com pessoas. Já faz 12 dias que estou viajando pelo norte de Minas com o projeto Cinema no Rio e encontrando lugares diferentes, culturas populares e pessoas incríveis. Seguindo essa lógica, posso dizer que que estou vivendo uma vida inteira em pouco tempo. Enquanto a viagem não termina, deixo aqui algumas impressões da vida no sertão.

(Em Barra do Pacuí, mulheres preparam os arcos para a Folia de Reis, uma tradição que eu aprendi aqui. Foto: André Fossati)

 - Durmo na beliche e já bati minha cabeça no teto da cabine várias vezes. Mas continuo achando que escolhi a cama certa porque acordar com o sol refletido no Velho Chico realmente não tem preço.

 - Aliás, a combinação entre sol e rio é uma das coisas mais impressionantes que tem por aqui. No décimo dia, resolvemos acordar cedo para ver o sol nascer. Um foi chamando o outro que foi chamando o outro e, no final, éramos 8 pessoas no teto do barco. A profusão de cores no céu parecia não acabar. Mais bonito ainda foi ver o pôr do sol. A correnteza do rio refletindo azuis, rosas, amarelos e laranjas. Vez ou outra passava um barquinho na contra-luz, formando a imagem ideal para um foto. Agora, todo dia é dia de ver o sol descer no São Francisco.

(Pôr-do-sol de ontem, em Pedras de Maria da Cruz)

 - Ontem comemos uma peixada feita especialmente pelo Zinho, o cordon bleu do nosso barco. Aos que, como eu, nunca gostaram de peixe de água doce, tente comer um deles pescado e feito na hora, com os temperos do norte de Minas. Não tem erro.

 - O nível do São Francisco está baixo. Isso pode ser uma questão climática e de falta de chuvas, não necessariamente um sinal de que ele está morrendo. Mas uma coisa é certa: ele está vivendo um processo de assoreamento. Ouvi muitas pessoas dizerem que antes os bancos de areia não eram tão frequentes e o rio tinha menos sedimentos. Isso a gente pode sentir na pele depois de nadar e voltar cheia de areia. O que não muda é a sensação de frescor ao pegar a canoa, ir até aquele canto afastado e cair nas águas frias do Velho Chico embaixo de um calor de quase 40 graus.

(Vida boa...! Foto: André Fossati)

 - Sobre as cidades, elas realmente têm o que precisam ter. Lembro que fiquei espantada com o número de tabacarias na França. Já no norte de Minas, o número de sorveterias em algumas cidades atingem uma cifra espantosa. Não por menos, o número de bares também.

 - Calor, muito calor. Me disseram no início da viagem que quanto mais a gente descesse o rio mais calor eu ia sentir. Sábias palavras. Sábias e inúteis porque saber isso não me fez suar menos... mas pelo menos a gente foi se aclimatando com o tempo. O pior momento é logo depois do almoço. Até o vento parece tirar uma siesta e agora eu não sei mais se tudo para porque as pessoas ficam com muito calor, ou se as pessoas ficam com muito calor porque tudo para.

(Só as crianças - sempre elétricas - se atrevem a se mexer depois do almoço)

 - Quer ir para o sertão mineiro sem ficar longe da sua família? Compre um chip da Vivo. Não estou ganhando nada para fazer propaganda (infelizmente), mas saibam que na maior parte das cidades pelas quais passei essa era a única operadora com sinal.

 - ... em compensação, não se preocupe com a sua vida virtual. A cidade pode não ter sinal de celular... mas tem uma lan house. Chega a ser engraçado constatar isso, mas é verdade. Incrível como a  internet se tornou uma necessidade em todos os rincões do Brasil - quiça, do mundo. Eu estou em uma lan house nesse exato momento (enquanto isso, o meu celular Tim continua morto).

(Apesar da internet estar relativamente disseminada, as belezas do norte de Minas ainda têm muito a ver com a miséria local)

 - A vergonha é inversamente proporcional à presença. A regra vale para todo e qualquer tipo de pessoa, inclusive para as que nunca se viram na vida. Por mais que o trabalho ocupe grande parte do nosso dia, somos um grande grupo vivendo em um barco. Roncos, problemas intestinais e confissões amorosas viraram conversas coletivas com uma grande rapidez.

 - Todo lugar é cheio de vida. Seja ela vegetal, animal ou humana. Basta abrir a cabeça para o novo e aceitar que todas as coisas são dotadas de um conhecimento tão ou mais válido que o seu. Aqui no Velho Chico conversei com gente de todo tipo. Crianças, jovens, adultos e, principalmente, idosos. Nunca deixei de respeitar e nem de enxergar o outro, mas aqui eu aprendi também a dar voz ao outro, a escutar e tornar aquele discurso legítimo.

(Quilombola e seu tambor. Fora do roteiro, mas bonito de ser ver)

 - Voltando ao início desse texto, a vida é feita de encontros. Não esteja aberto somente ao encontro com o lugar e com a natureza, esteja aberto ao encontro com as pessoas. A maior riqueza do norte de Minas é a sua gente. Doidos de pedra e velinhas benzedeiras. Líderes comunitários e pescadores tradicionais. Gente que participa de danças folclóricas, de moda de viola, de batuque. Gente que borda, que colhe, que planta. Gente que vive a partir das oportunidades que a terra dá e que talvez entenda muito melhor do que a gente a conexão entre pessoas e natureza.

2 comentários:

  1. Olá Ju,
    Sou o Pai da Bela.
    Parabéns pelo seu trabalho, pelo texto e pela sensibilidade. A realidade do Vale do São Francisco é muito parecida com a do Vale do Jequitinhonha. Um olhar diferente sobre esses luagres é de quem nasceu por lá ou de pessoas especiais como você. O meu abraço e uma poesia do meu primeiro livro.
    Luiz Carlos Prates

    SONETO SECO MOLHADO

    "No meio das crenças,
    A fé acabou.
    A chuva não veio.
    A terra chorou.

    Uma voz aflita em forma de vento
    No meio do povo em desalento.
    Uma incoerência da natureza queimada
    Onde tudo é nada.

    A impiedade do tempo.
    O sol na convivência.
    A chuva com violência.

    A aparência desgastada.
    A deficiência do sertão
    É a convivência com o não."
    Luiz Carlos Prates

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  2. Que linda poesia Luiz! A Bela já tinha me falado sobre como você escrevia bem! Obrigada por compartilhar ela aqui no blog!

    Conhece o sertão mineiro foi um privilégio... O projeto acabou hoje e já estou com saudades de tudo que vivi, mas com uma sensação ótima e uma vontade enorme de compartilhar isso com outras pessoas! É uma região muito especial e merece mais atenção!

    Abraço forte!

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