terça-feira, 6 de março de 2012

Onde a cultura se encontra

Quem vai a Santiago a procura de arte e cultura tem de visitar o bairro Lastarria. É ali que estão os melhores museus e alguns dos mais belos edifícios da cidade. Isso sem falar nas ruas cheias de cinemas, livrarias e cafés alternativos. A impressão que se tem ao passear por suas vias é que você não está no centro dos acontecimentos, mas sim no centro das discussões sobre esses acontecimentos.

(Feira de livros nas calçadas do bairro Lastarria)

Lastarria não é um bairro com grandes histórias porque ele guarda as grandes histórias. É ali que está, por exemplo, a Biblioteca Nacional, um edifício enorme (e lindo) inaugurado no ano de 1924. Ali estão guardados mais de 3 milhões de títulos, sendo que no segundo andar estão obras muito valiosas que datam do século XV. Foi impossível subir e ver essas raridades pois o terremoto que atingiu o país em 2010 abalou as estruturas do prédio, que ainda se encontra em reforma. Mas o terremoto não foi capaz de tirar a beleza das suas escadas de mármore e arquitetura em estilo neoclássico. No andar de baixo, além de toda beleza, o visitante encontra lanchonete. espaço para acesso a internet e - claro - um sem número de livros.

(Foto tirada desse link)

O passeio cultural continua no Museu Nacional de Bellas Artes. Alguns dizem que o local lembra o Petit Palais de Paris, por causa dos detalhes em art-nouveau. Pelo sim, pelo nçao, é mesmo um dos monumentos ais bonitos do país. O espaço fois construído em 1910 em homenagem aos 100 anos de independência do Chile.O local apresenta salas para a exposição de coleções temporárias. Entre elas tivemos a sorte de conhecer o trabalho de Pedro Pablo Valdés Bunster, um dos mais importantes escultores chilenos da atualidade. A sua obra tem como ponto principal a escultura feita a partir de uma grande diversidade de materiais, como ferro preenchido por barro, pedras e plástico, propondo a discussão sobre a durabilidade de tais produtos artísticos no tempo.

Foi engraçado encontrar com ele ali porque há algum tempo tinha visto uma de suas obras nas ruas de Santiago. Um cavalo, mais precisamente. A minha única reação para aquela escultura foi: "nossa, que coisa feia". E em um dia lá estava eu ao redor de cavalos e mais cavalos produzidos por Pedro. Mas depois dali passei a gostar da originalidade das coisas que ele fazia e, principalmente, da forma como a arte. Em uma das paredes do salão, essa frase flutuava: "Las obras son cáscaras empapadas del entorno, de los frutos y del espiritú de su época".

(Galeria com as obras de Pedro Bunster. Da feiúra à originalidade)

Perto dali há um museu totalmente diferente, mas com obras não menos instigantes. É o Museu de Artes Visuais. O prédio em si já causa um estranhamento porque, apesar dos seus seis andares, a impressão que se tem é bem menor de acordo com o seu espaço livre e disposição das obras nas salas.instalações, pinturas, fotos, montagens e vídeos são bastante inovadoras. Lembro de me entreter com várias peças. Uma delas era um quadro com a representação das rodovias de um mapa, mas na qual constavam realmente só as minúsculas linhas recortadas, com todo o cuidado do mundo.

(Chique e moderno... com um museu contemporâneo deve ser)

Depois de tanto estímulo visual (e cerebral) resolvemos parar em um dos cafés ao ar livre. Sem desmerecer todo o acervo cultural daquela manhã, mas o melhor do bairro não tem nada a ver com sua arquitetura ou seu clima intelectual, e sim com as pessoas que passam por ali. Estudantes com livros debaixo do braço, artistas querendo mostrar seu trabalho, casais underground, pessoas de estilo alternativo, de todas as idades. São elas que elegeram o Lastarria. É por causa delas que existe movimento nos cafés, filmes de menor alcance nos cinemas e feiras de livros pelas ruas. É a partir desse público ao mesmo tempo criador e consumidor que o bairro foi se moldando.

(Espaços alternativos por todo o bairro)

União entre história e natureza

No Lastarria, até o que era para ser um simples passeio de observação ganha contornos históricos e culturais. É o que acontece com o Cerro Santa Lucía, que une a paisagem da capital chilena a traços históricos importantes. De fato, a vista panorâmica de Santiago a partir do Cerro San Cristóbal é a melhor. Mas ele não passa de um morro com uma excelente localização. Já o cerro Santa Lucía surpreende logo na entrada, aonde uma construção amarela com direito a arcos de pedra, plantas exóticas e fontes d'água dá as boas vindas ao visitante (sem contar a simpatia os casal de 60 anos que toma conta do local!).

(A primeira imagem de quem entra no Cerro Santa Lucía)

Ao subir as primerias escadas, uma nova supresa: um pátio enorme se descortina na frente dos nossos olhos. No local, construções com a marca da realeza, mais fontes, mais plantas exóticas e escadarias que levam para construções de pedra ainda mais no alto. Foi no pé desse cerro que Pedro de Valdívia fundou a cidade de Santiago, em 1541. Também foi esse o lugar eleito para se transformar em fortaleza no período da Reconquista, em 1814. E mais tarde, devido às comemorações do centenário de Santiago, o governo aprovou um projeto de reestruturação local.

(Construções locais marcam a passagem da realeza - ou pelo menos de alguém com muito bom gosto arquitetônico)

O resultado disso foi que o cerro Santa Lucia se tornou uma atração em si só. Ninguém sobe suas escadas só para ver a paisagem de Santiago (e que paisagem), como no cerro San Cristóbal. Ninguém vai até lá só para conhecer um pouco mais da história da cidade, como em um museu qualquer. Se vai para se fazer tudo isso um pouco. Além de aproveitar a tranquilidade local para escrever, conversar e até namorar.

A verdade é que o todo bairro tem cantinhos escondidos em que o melhor a se fazer é não passar batido e aproveitar. Sentar, descansar, ler. Conversar. O que faz de um espaço boêmio ou intelectual por excelência é a troca de informações e ideias entre as pessoas que estão ali. Se não há predisposição para conhecer (algo ou o outro) esses lugares perdem seu propósito. Infelizmente não fui ao bairro a noite, não voltei lá outro dia, não conheci direito as pessoas que estão ali. Mas acredito que seja um dos melhores lugares da capital para conversar com gente interessante e fazer valer a ideia de que onde há pessoas há tempo para um café!

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