terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O início da história do Brasil

Salvador não tem as praias mais bonitas, o centro comercial mais moderno e nem a noite mais badalada. Salvador tem história. Mesmo que você não saiba as datas mais importantes da cidade ou onde exatamente foi fincada a primeira cruz portuguesa, não tem como fugir aos seus mais quinhentos anos de história. Algo pequeno se comparado às milenares cidades europeias e asiáticas, mas com um imenso valor para quem vive do outro lado do oceano Atlântico.

(Igreja do Carmo, no alto erguida em 1636)

A capital baiana é uma das mais antigas e mais importantes cidades da história do Brasil. Os primeiros relatos de sua descoberta datam de 1510, quando um navio francês naufragou perto da sua costa. Quase 40 anos mais tarde chegaram seis embarcações enviadas pelo rei de Portugal com o objetivo de instalar ali uma cidade-fortaleza com o nome de São Salvador. E assim o fizeram: antes mesmo de se tornar província, Salvador se tornava capital. A cidade seguiu como sede do governo brasileiro até o ano de 1763, quando Rio de Janeiro assumiu o posto.

Mas nem por isso Salvador perdeu a relevância no cenário nacional, sendo palco de diversas revoltas e acontecimentos marcantes ao longo dos anos. Hoje, a cidade é conhecida por ser o centro econômico e administrativo do estado, por guardar um dos maiores carnavais do país - no qual mais de 3 mil foliões empolgados seguem os trios elétricos pelas ruas todos os anos - e, como não podia deixar de ser, pela sua história.

(Fonte da Praça da Sé com a Igreja da Ordem Terceira de São Domingos de Gusmão ao fundo)

Traços do passado

Quando em 1549 aquela faixa de terra se transformou em capital, o primeiro-governador geral do Brasil, Tomé de Souza, quis que a cidade fosse construída no alto de uma escarpa, protegida dos ataques de possíveis invasores. A vida local girava em torno do atual é o Centro Histórico. Hoje é fácil (e duro) perceber que a estratégia de Tomé de Souza não favoreceu os turistas menos em forma, que tem de subir e descer boas ladeiras para conhecer as construções centenárias da região. Em compensação, os morros foram dotados de diversas casinhas que, de camada em camada, premiam a todos com um belo visual.

A minha viagem no tempo começou na Praça da Sé, onde está a Catedral Basílica Primacial de São Salvador. Construída ainda no século XVI para ser o templo do colégio jesuíta, é a igreja mãe das igrejas eclesiásticas da cidade por ser a cátedra do Arcebispo metropolitano. É uma das obras mais relevantes do centro histórico por sua importância e majestade. Toda sua fachada e interior foram feitos em mármore de Lioz, trazido diretamente de Portugal. Os altares laterais e também o do centro são revestidos em palha de ouro e as telas sacras pintadas por diversos artistas.

(Fachada de mármore da Catedral de Salvador)

E a sacristia só não parece fazer parte da igreja pela formato. Se fosse mais alta e tivesse ao menos um altar eu podia jurar que ela era parte da Catedral tamanha riqueza. Esculturas, azulejos portugueses, móveis de jacarandá e obras de arte preenchendo cada buraco, do chão ao teto.

Pouco mais a frente estava um dos pontos mais bonitos da cidade. A praça que dá vista à Igreja de São Francisco é muito bem preservada. O conjunto de casas históricas em estilo colonial dali parece novo em folha. E as lojas ao redor aproveitam o espaço exclusivo de pedestres para colocar cadeiras de madeira e guarda-sóis.

(Posso estar errada, mas me pareceu o ponto mais bem cuidado da cidade)

Mas o ponto alto é mesmo a igreja de São Francisco. O edifício foi indicado às 7 Maravilhas do Brasil e foi classificada em 2009 como uma das 7 Maravilhas de Origem Portuguesa no Mundo (ok, hoje em dia tem sete maravilhas pra qualquer coisa). De fato, quando falava que ia viajar para Salvador esse era um dos pontos turísticos que todos repetiam. Imaginava encontrar algo semelhante ao que se vê em Ouro Preto, afinal, ali estão algumas das igrejas mais ricas do Brasil. Mas esqueci que aquela É a igreja mais rica do Brasil.

A quantidade de ouro que tem ali dentro é impressionante. Todas as superfícies da igreja são revestidas a ouro, com figuras de anjos, pássaros e flores que com certeza fazem parte de um dos conjuntos barrocos mais bonitos do país. Ao lado da igreja está um convento, do qual os turistas só podem visitar o pátio. Uma série de colunas sustentam os arcos do espaço, rodeado por painéis de azulejos que procuram passar lições aos fiéis sobre boas condutos através de imagens e frases em francês.

(Nenhuma foto é capaz de mostrar a riqueza do local. É o tipo de ponto turístico que só conhecendo para entender)

(Imagem do pátio do Convento franciscano com vistas às torres da igreja)

Dali partimos para uma caminhada sem rumo pelo Pelourinho. Para quem não sabe, pelourinho é o nome do mastro aonde os escravos eram açoitados quando seus patrões acreditavam que estes não cumpriam com seus deveres. E para que a vergonha fosse ainda maior, eles eram chicoteados em praça pública. Um verdade cruel que Salvador vivia dia a dia...

Foi nesse passeio despretensioso que vi algumas das belas paisagens que encontrava nos cartões-postais das lojinhas de souvenirs. Também foi aí que me deparei com algumas das memórias mais feias que tenho da cidade, como igreja de Santa Bárbara, cenário do filme Pagador de Promessas, obra célebre de Dias Gomes. O desprezo do governo com seus monumentos históricos é tanto que a igreja se encontra em um estado de quase-morte: o branco deu lugar ao preto, as ervas daninhas crescem em todos os lugares (inclusive no alto das torres) e pedaços da parede parecem ter caído.

(As coloridas casas do Pelourinho parecem criar camadas nos morros da região. No alto, a igreja de Santa Bárbara preta de sujeira)

Foi ali também que conheci o cotidiano do povo soteropolitano. Ou, pelo menos, dos esforçados trabalhadores das ladeiras da Bahia. Gente que sobe e desce morro carregando pacotes pesados, carrinhos de fruta, quadros pintados a mão. Homens que metem a mão na massa para fazer acarajé aos esfomeados e mulheres que se vestem de baiana para atrair a atenção dos turistas embaixo de um calor de mais de 30 graus. Isso me fez lembrar que no fim desse dia eu fiquei espantada com o número de igrejas da cidade. E quando descobri o número exato fiquei ainda mais chocada. Dizem que há 365 igrejas em Salvador, uma para cada dia do ano. Alguns falam em mais, outros dizem que são menos. Mas a verdade que para um povo assim é preciso mesmo ter muita fé.

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