quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

A favor do imprevisível

Toda viagem é um sonho. Sonhos devem ser perfeitos. Logo, uma viagem deve ser perfeita. Não é por menos que os futuros viajantes passam horas lendo guias de viagem, procurando resenhas em sites especializados e pedindo dicas para os amigos. Quando não conseguem fazer tudo sozinhos ou não têm tempo para isso, contratam uma excursão que saiba fazer daquele passeio uma viagem dos sonhos. Ou seja, perfeita. Mas alguma coisa sempre dá errado. E existem situações nas quais o mais comum é não dar certo. É sobre essas situações que Moacyr Scliar fala no livro Dicionário do Viajante Insólito.

(Foto tirada desse link)

Como o próprio nome diz, o livro é organizado em forma de dicionário. A de aeroporto, B de briga, C de cemitério e por aí vai. Quem lê todo o índice antes de começar acaba ficando intrigado com algumas letras, como K de kafka e Q de quando. Mas com um tempo é fácil perceber que qualquer coisa é motivo para o autor trazer indagações (e piadas) sobre o ato de viajar.

E isso acontece por dois motivos. Em primeiro lugar porque o livro é um dicionário. Com qual palavra ele ia preencher o Z? Eis então que ele conta a história do filho de um amigo que pediu uma Zebra para o pai que estava indo para a África do Sul. O autor poderia ter usado o mesmo texto para o E de Encomenda ou B de Bagagem... mas precisava de um Z. Nada mais justo.

Em segundo lugar porque ele já viajou muito. Nascido em Porto Alegre, Moacyr Scliar já morou em países como Israel e Estados Unidos e já visitou uma série de outros lugares, a trabalho e a lazer. O que não lhe falta são histórias, lembranças e casos de viagens para escrever - todos de forma bastante irônica e bem-humorada, claro.

Já na primeira crônica percebe-se que a ideia do autor é unir suas experiências pessoais às suas indagações sobre viagens. Ele quer, principalmente, que o leitor reflita. Por que viajar? Por que sair de casa para ver aquilo que eu já posso ver nos livros e filmes? Se o que mais se quer é ver uma coisa porque então as pessoas não aproveitam a paisagem ao invés de ficar disparando flashes para todos os lados? E, principalmente: por que esperar uma viagem perfeita se ela provavelmente não o será? As melhores surpresas não estão exatamente em viver o não programado?

("Ver, é o que o turista sobretudo deseja. Ver tal ou qual paisagem, tal ou qual museu, tal ou qual igreja. O turista é um grande e guloso olho que viaja pelo mundo. Um olho que não confia em si mesmo, daí a máquina fotográfica e a câmera de vídeo sempre a tiracolo" - no capítulo V de ver)

A verdade é que todo turista quer descobrir o desconhecido para contar aos amigos, mostrando assim como ele é desprendido, intuitivo e interessante. Enfim, um aventureiro nato. Mas todo turista quer também conhecer o que já foi descoberto. Afinal, você precisa contar aos amigos que já esteve lá. Ou você acha que eles gostariam mais de ouvir sobre a estátua que você descobriu há 10 quilômetros do centro de Paris ou sobre a grandiosidade da Torre Eiffel?

Para a eterna dúvida "planejar ou se deixar levar" não há resposta. E nem ser humano que fuja à tentação.  Em diversos momentos o próprio autor conta sobre igrejas, museus e livrarias que estão no roteiro por serem lindas mas também por serem clichês. Locais que, logicamente, ele já tinha ido. Moacyr Scliar também é um viajante insólito. Mas com um pouco mais de bom humor.

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