sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Liberdade para ser o que se é

Os meses na França me fizeram acostumar com cidades históricas, sempre cheias de monumentos milenares, palácios reais e igrejas góticas. Até os espaços mais modernos tinham sempre uma construção imponente, rodeada por cidadãos que se orgulhavam dela e do seu passado. Essas cidades estavam - no bom sentido - paradas no tempo. Assim era Clemont, Nice, Grenoble e até Paris, que deveria ser a vanguarda francesa.

(Centro comercial de Madrid. Foto tirada desse link)

Por isso Madrid foi uma surpresa. Ao invés de um espaço imóvel encontrei uma cidade em plena transformação. Os prédios que datam do século XIX recebem letreiros luminosos. Suas fontes centenárias que são cartões postais da cidade se transformam em bancos de pic nic em dias de sol. A capital espanhola tem senso de conservação, mas sabe interagir com seus moradores como poucas. O uso que as pessoas fazem da cidade a transforma em um local especial e faz de Madrid um espaço ao mesmo tempo histórico e moderno.

O conceito tomou forma com o tempo, mas a sensação surgiu logo quando cheguei à cidade. Ao contrário do que acontece na maior parte do mundo, o aeroporto de Barajas é distante da capital mas possui um esquema de transporte eficiente. Por três euros é possível pegar um metrô que percorre os 25 quilômetros de distância entre o local e o centro da cidade sem maiores problemas.

(A Gran Vía que eu vi era ainda mais colorida por cauda das luzes de natal. Foto tirada desse link)

Nosso hostel ficava na avenida Gran Vía, a qual descobrimos no mesmo minuto ser uma das mais importantes. Prédios enormes, lojas e mais lojas, trânsito pesado, centenas de pessoas. O centro de uma cidade como ele deve ser, com a diferença de que na Europa normalmente há construções monumentais em meio ao concreto.

Procuramos nosso albergue, o hostel Stella, que era logo ali, na Plaza del Callao. Sabíamos que seria mais ou menos, pois alugamos um quarto para quatro pessoas por 12,50 euros por cabeça, um preço irrisório. A entrada do prédio era feia e as escadas antigas, mas quando chegamos ao hostel ficamos impressionados. Sofá, mesa de centro, tapete no chão e quadros ao fundo. A moça que tomava conta era muito simpática e nos levou ao nosso quarto. Ele privativo e enorme. Tinha quatro camas de solteiro e um banheiro excelente, além de TV de Plasma, ar condicionado, toalha e sabonetinho, igual quarto de hotel.

(Vista da nossa varanda)

Mas o melhor mesmo era a vista: tínhamos uma varanda com a visão completa da praça de Callao, o microcentro da cidade. O primeiro comentário que veio à cabeça foi "estamos na Times Square!", possivelmente por causa do edifício Capitol que fica em uma das esquinas da praça e carrega um enorme letreiro luminoso da Schweppes.

(Times Square madrilenha. Foto tirada desse link)

Então descemos para ver de perto o que mais naquela praça nos lembrava o famoso postal novaiorquino. Os pontos de comparação eram vários, como os prédios enormes, o fluxo de pessoas sempre intenso e as luzes de natal. No centro havia até uma pista de patinação no gelo, bem ao estilo americano.

Mas as diferenças também eram claras. Na porta de um dos centros comerciais da praça não estava o papai noel, mas os três reis magos. Na Espanha, as crianças não ganham os presentes na noite do natal, mas no Dia dos Reis, em 6 de janeiro. Isso porque foi nesse dia que Melquior, Baltazar e Gaspar seguiram a estrela de Belém para levar ouro, mirra e incenso ao menino Jesus.

(É comum sair de casa por volta das 23h para comer ou dar uma volta. Por isso as ruas de capital espanhola estão sempre cheias)

Outra diferença clara e menos pontual apareceu ainda no aeroporto: mesmo rodeados por turistas falando francês, português, inglês e italiano, o espanhol soava mais forte. E, mais uma vez, eu não conseguia tirar uma palavra de espanhol da minha boca. Aconteceu o mesmo em Munique quando eu tentei me comunicar em inglês mas o francês já era algo tão constante na minha cabeça que todas as outras línguas estavam simplesmente bloqueadas. E esse foi só o primeiro dia de "mercis" no lugar de "gracias" e "salut" no lugar de "hola". Fazíamos isso a todo tempo. Quem se saía melhor era o Teichmann, que conseguia segurar a onda e separar o português, do espanhol, do alemão, do inglês.

Rodamos por ali, sem muita certeza do caminho. Passamos pelas ruas próximas à Gran Vía observando o movimento que não parava a medida que a noite ia aumentando. Chegamos a Puerta del Sol, uma praça enorme aonde estão alguns dos edifícios mais importantes da capital, como o convento de Nossa Senhora das Vitórias e a Casa de Correios com seu imenso relógio da torre. É ali que os madrilenhos se reúnem no dia 31 de dezembro para ouvir as 12 baladas do ano novo e comer os 12 bagos de uva (um a cada badalada).

(A fonte da praça Puerta del Sol é ponto de encontro entre amigos e amantes. Ao fundo, a famosa placa luminosa do Tío Pepe. Foto tirada desse link)

Ali também estão bares antigos, como o Café de Levante, um dos mais famosos cafés literários de Madrid, e o Café de la Montaña, conhecido também como café Imperial. Aberto desde o século XIX, ele se encontra no mesmo edifício da famosa placa do Tío Pepe, empresa com sede em Jerez de la Frontera responsável pela fabricação de vinhos e outras bebidas alcóolicas.

A Puerta del Sol é linda o ano inteiro, mas nas noites natalinas ela ganha um charme a mais com a enorme árvore de natal - cada ano diferente - colocada no centro da praça.

(No lugar de galhos verdes e bolinhas vermelhas, as cores aparecem em forma de luzes)

As hora passavam e já era meia noite quando fomos a um bar encontrar com alguns amigos da Agathe. O bar parecia tradicionalíssimo. Estava com algumas pessoas e, de forma espantosa, foi enchendo ainda mais ao longo da noite. Eram 7 pessoas e dois bancos. Fomos nos virando no inglês enquanto observávamos os famosos tapas sendo servidos para as pessoas a nossa volta. Chegar no bar de madrugada, beber em pé e petiscar sem parar eram hábitos daquele povo que só íamos entender dias mais tarde...

A noite, para nós, chegou ao fim às 2 da manhã. Nos despedimos e fomos embora. Agathe e seus amigos continuaram lá, entre tapas, cervezas y tonterías. Caminhava enquanto tentava dar forma ao sentimento que a cidade passava, um misto de força e liberdade. Quando cheguei ao hostel, fui até a varanda antes de dormir. Acho que a aquela noite sonhei exatamente o que eu queria sonhar.

(Um típico bar de tapas até na arquitetura, a começar pelas paredes a direita imitando os pilares dos palácios de inspiração comuns no país)

sábado, 29 de outubro de 2011

Low-cost: para não cair nas pegadinhas

A manhã chegou fria, mas com sol. Pena que aquele seria o nosso último dia em Paris. Levantei mais cedo que as meninas pois tinha combinado de passar no Museu do Louvre com o Teichmann. Arrumei meu mochilão, coloquei nas costas e saí. Foi um passeio super rápido, desses em que a gente chega, fica 5 minutos olhando para cima e para os lados tentando captar a essência do local, tira algumas fotos diferentes, outras muito clichês, e vai embora.

(Quer foto mais clichê que colocar a mão no final da pirâmide? E é claro que tiramos uma foto dessas... Foto tirada desse link)

Mas apesar da correria eu estava muito feliz. Daqui a algumas horas eu estaria em Madrid conhecendo um novo país. Porque daqui a algumas horas? Desde que cheguei a Clermont todas as minhas viagens foram feitas de trem ou de carro por causa das circunstâncias, das distâncias e dos preços. Pela primeira vez eu ia voar de avião.

Um alerta: todos acham que viajar na Europa é mega barato e que os turistas têm todas as vantagens do mundo. Ledo engano. De fato, viajar na Europa é mais barato do que viajar no Brasil mesmo convertendo a moeda (aliás, praticamente tudo na Europa é mais barato). Aqui, as passagens de avião são caras, as promoçõs são raras e as ofertas cheias de asteriscos minúsculos. As nossas companhias mais baratas jamais levariam o nome de low-cost e os nossos serviços aéreos são sempre demorados. De fato, o grande problema no Brasil é a falta de opção. Os preços são relativamente tabelados e as empresas não são tão diferentes assim.

Como voar barato na Europa?

Na Europa, as opções aumentam, mas é preciso estar atento a algumas dicas se você quiser voar barato:

(Uma manhã no aeroporto de Guarulhos é mais ou menos assim. Nos aeroportos da Europa é a mesma coisa. Foto tirada desse link)

1. Acompanhe sites como Melhores Destinos, Aquela Passagem e Decolar.com (mas os mais desconfiados já diriam: quando acharem uma oferta incrível, busquem também no site oficial da companhia).

2. Tente em várias datas, em diferentes semanas, altere o número de noites em um destino. Em um dia pode estar 50 euros mas no outro menos de 15.

3. Busque sempre ida e volta pois os trechos costumam ser mais baratos.

4. Leia as regras das promoções pois nem sempre ela é tão bonita quanto parece. As vezes ela é promocional porque o avião que você vai pegar é em um aeroporto a duas horas da cidade destino ou porque o limite de passagem é reduzido.

5. Compre com antecedência. Quanto antes maiores as chances de a passagem estar barata. Em compensação, quem deixa para comprar depois perde a possibilidade de participar de leilões ou de adquirir passagens por promoções-relâmpago.

Nós pecamos em quase todos os itens. A começar, nossas passagens Paris-Madrid e Sevilha-Barcelona foram compradas com pouca antecedência. Além disso, elas tinham uma data fixa para acontecer: não podíamos esperar muito para chegar à capital espanhola pois, caso contrário, passaríamos pouco tempo em Madrid e em Sevilha antes de ir para Barcelona que, impreterivelmente, era o nosso destino no dia 31. Não conhecíamos buscadores como eDreams, o Syscanner e o Matrix, dois dos melhores sites para procurar passagens em toda a Europa. Então, entramos diretamente no site de empresas com Ryanair, Vueling, Spanair e EasyJet.

A sorte é que, como disse antes, viajar de avião na Europa é mais barato que no Brasil em termos gerais. Encontramos passagens de Paris para Madrid por 45 euros e de Sevilha para Barcelona por 25. O item que não pulamos foi conferir as regras da companhia. Fomos preenchendo o formulário, lendo as regras e então vimos que ainda era preciso pagar por uma taxa de 15 euros em cada uma delas. Pegadinha nº 1. Mas ok, era em cima da hora.

A pegadinha nº 2 é que grande parte das companhias low-cost realizam seus voos em aeroportos menores, afastados da cidade, e as vezes o preço da passagem mais transporte até o local fica mais caro do que uma companhia comum. Mas nem sempre. No nosso caso ficou quase igual... com a diferença de que quase perdemos o voo. A passagem da Ryanair saía do aeroporto de Beauvais, a uma hora de Paris. Na estação de Porte Maillot há ônibus que pela "bagatela" de 15 euros levam os passageiros até lá.

(A rodoviária de Beauvais. Nada contra aeroportos pequenos. Eles são ótimos para desafogar o fluxo de aeronoaves dos maiores. Mas esperar 3 horas em um lugar como esse é dose. Foto tirada desse link)

Assim, eu o Teichmann pegamos o mapa e tentamos localizar a estação Porte Maillot quando a Tissi me envia uma mensagem. "Onde vocês estão? Já chegamos aqui". Calma, a gente está chegando. No meio do caminho, "já estamos na fila para comprar as passagens do aeroporto". Calma, quase lá. Saímos da estação final e o local era TÃO mal sinalizado que paramos três pessoas para perguntar. O celular toca de novo. "Cadê vocês?". Começamos a correr.

Chegamos na fila a tempo. Ali encontramos com a Agathe, a francesa mais brasileira que já conheci na minha vida. Nos tornamos amigas em uma situação completamente atípica: uma amiga da faculdade conheceu a Agathe em Belo Horizonte e disse para entrar em contato quando estivesse em Clermont. Já eram 4 meses de convivência quando estávamos combinando nossa viagem de fim de ano para a Espanha e ela disse que iria conosco. Empecilho linguístico? Nenhum. Ela falava português, com todos os "tipo assim" e palavrões que a gente adora repetir de 5 em 5 minutos. Com a trupe completa e os bilhetes comprados, estávamos prontos para embarcar.

Quantos prós valem os contras?

Depois de uma hora de viagem, chegamos ao Beauvais, tão pequeno que mais parecia uma rodoviária do interior. As filas estavam pequenas e nós estávamos com tempo. Compramos sanduíches naturais, colocamos as malas no chão e nos sentamos até a hora do voo. A pegadinha nº 3 tem a ver com o check-in: quem não imprime a confirmação da compra da Ryanair antecipadamente paga 40 euros. Mas dessa estávamos livres. Imprimimos e ainda tiramos xerox da impressão, para ninguém atrapalhar.

(Um dia eles vão cobrar até pelos itens de segurança... Imagem tirada desse link)

Com o bilhete na mão, sem filas, correto? Errado. Pegadinha nº 4: se você não é um cidadão europeu você precisa mostrar seu passaporte na "boca do caixa". O pior é que mesmo com todo aquele tempo sobrando só descobrimos isso 30 minutos antes do avião decolar. A Agathe e o Teichmann (descendente alemão) passaram e nos prometeram que o avião não saía do chão sem a gente. Claro que na hora do vamos ver eles não fariam diferença alguma, mas foi bom ter um conforto naquele momento.

Enfrentamos a fila e imploramos encarecidamente pro moço carimbar olhar nossos passaportes e carimbar nosso bilhete de avião antes de recolher as malas daquela fila imensa. Depois era hora de passar pela fiscalização das malas. A maior parte das low-costs não deixa o passageiro despachar suas malas. Ou seja: ele é obrigada a viajar com tudo nas mãos. Até aí tudo bem, mas a pegadinha nº 5 é que a mala não pode ter mais de 10kg. Lembro que um dia antes de viajar fui a uma farmácia pesar a minha mala. Por sorte ela tinha 9,8kg. Mas quando chegamos lá vimos que eles não colocam a mala em uma balança. Na verdade eles tem uma armação em aço e a mala tem que caber naquele espaço. Se ela entrar e sair, a pessoa pode passar.

(Foto tirada desse link)

O Teichmann tinha 15kg e, não bastasse isso, a mala dele era visivelmente maior que a nossa. Se não passasse de primeira ele teria que pagar 30 euros para despachar ou deixar meio mundo para trás. Então antes de irmos para a fila do passaporte divimos o que ele tinha, acabamos com a comida da sua mala (claro que comer doces natalinos alemães não era esforço nenhum) e rezamos para ele passar. Deu certo, por um milagre.

Depois disso foi tudo tranquilo. Mas fato é que viajar de low-cost pode se tornar uma aventura. Por isso vou enumerar as pegadinhas que citei até agora (e outras tantas) para você não cair em nenhuma delas quando chegar a sua vez:
  • Na hora de comprar a passagem leia TUDO que está escrito. As companhias colocam mil opções para o cliente como mala adicional, seguro de viagem, seguro saúde, etc. É preciso clicar nas casinhas desmarcando as opções caso não queira que o preço da sua passagem aumente.

  • Check-in pela internet e bilhete impresso na mão caso você não queria receber uma multa de 40 euros.

  • Malas pequenas são fundamentais. O Teichmann deu sorte mas já vi pessoas tirando roupas, bebidas e tudo o mais que você pode imaginar para não precisar de pagar e despachar o excesso de peso. Agora imagine deixar as suas compras ou as suas roupas preferidas no aeroporto? Vista tudo se for necessário.

  • Não adianta levar uma bolsa, uma sacola cheia de apetrechos e a sua mala. Eles só permitem UM volume em mãos.

  • Não há lugar marcado, a não ser que você queira pagar uma pequena taxa para ter prioridade de embarque. Caso não tenha feito isso não se espante ou queria matar o coleguinha que parece estar furando fila. Ele pagou o direito de escolher a melhor cadeira primeiro.

  • Há outras mil coisas irritantes: os assentos são super apertados e não reclináveis, o avião é um outdoor sem fim de tanta publicidade e tudo que é vendido no avião tem um preço, normalmente alto.

(Para ser barato, haja patrocínio. Foto tirada desse link)

Mas se vale a pena viajar low-cost? CLARO. Tenho a mesma opinião da Adriana Setti, jornalista e blogueira da Viagem e Turismo:

"Sim, eles esfregam na sua cara que você pagou barato. Sim, você perde mais tempo com deslocamentos. Sim, alguns detalhes são mesmo irritantes. Sim, eles são intolerantes e se aproveitam de qualquer distração dos passageiros para faturar. Mas se todas essas pequenas coisas fazem a passagem custar três vezes menos do as outras, tô dentro! Defendo a Ryanair com unhas e dentes porque eles não enganam ninguém: ao comprar a passagem você é ostensivamente informado sobre todo o procedimento, em letras garrafais". (texto completo nesse link).

E afinal, chegamos em Madrid, não chegamos?

(São e salvos, a espera do trem que ia nos levar para nosso albergue)

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Do moderno ao milenar

Uma das maiores virtudes de um grupo de viagem é saber que estar em grupo é sempre mais interessante, mas que as vezes é preciso dar voz aos desejos particulares e seguir sozinho. Era o nosso último dia em Paris e as vontades se dividiam. Fafá queria continuar os lerês e ir ao Louvre. Eu e a Tissi, que já conhecíamos a cidade, queríamos fazer algo completamente diferente. Então fomos juntas até a estação de Metro do Les Pyramides. A Fafá ficou por lá e nós decidimos em ir até o bairro La Défense.

(Em constante crescimento. Foto tirada desse link)

O porquê da escolha é uma pergunta difícil de responder, mas acho que nossa principal motivação foi conhecer um local distante e que não tem exatamente NADA a ver com o resto da capital francesa. Paris é exemplo de preservação patrimonial e para a construção de novos prédios as empresas seguem padrões bastante restritos. O La Défense é o oposto. O local é marcado por dezenas de arranha-céus espelhados, fazendo deste o maior centro financeiro da cidade. Outro fato que o distingue do resto da capital é a sua idade: o bairro é um bebê em comparação à milenar cidade-luz. A primeira torre foi erguida somente em 1966.

O bairro é muito distante, mais especificamente no ponto final da linha 1 dos metrôs de Paris. Quando chegamos ao local me lembro que a primeira coisa que fiz foi esticar o pescoço e levantar bem a cabeça. Fiquei uns cinco minutos só olhando para cima, para a grandiosidade daqueles prédios realmente enormes...

(O Grande Arco. A subida até o teto do arco é mas estava fechada a visitação)

O símbolo do local é o Grande Arco, um arco com 112 metros de altura coberto de mármore branco. Ele foi erguido no ano de 1989 em comemoração ao bicentenário da Revolução Francesa. O projeto é do arquiteto dinamarquês Otto von Spreckelsen, que o considera como uma versão moderna do famoso Arco do Triunfo e, da mesma forma, uma obra em homenagem aos ideais humanitários (não por menos, os dois arcos estão geograficamente alinhados).

Passeando pelo La Défense vimos coisas curiosas, como pequenas construções em formas circulares e uma estátua de um polegar de 12 metros, o Dedo de César, uma das esculturas mais reproduzidas no mundo. No mais, o bairro parecia morto. Não sabíamos se o culpado era o frio, o natal, o dia de domingo... ficamos nos perguntando se valia a pena conhecer o local e chegamos a conclusão de que se você já estivesse cansado da arquitetura parisiense, aí sim, poderia passar por lá.

(Dá um joia!)

Mas se tinha um local movimentado, esse era a Mercado de Natal. Enorme e cheio de lojas bonitas, eu e a Tissi passamos mais ou menos uma hora passeando pelas lojinhas e olhando de tudo um pouco: comidas, roupas, chapéus e objetos com cheiros especiais.

Voltamos ao centro da cidade e depois de uma voltinha pelos sempre belos jardins do Louvre, seguimos ao Museu d'Orsay. Já falei aqui que considero esse o melhor museu de Paris (entre os que eu visitei, claro). Em primeiro lugar, o espaço destinado ao museu é em si uma obra de arte. Foi construído pela Companhia dos Caminhos de Ferro de Órleans para servir como estação ferroviária de Paris, mas também para ser apresentada durante a Exposição Mundial de 1900, por isso todo o requinte. E o local é mesmo exuberante. Suas paredes e teto são totalmente cobertos por flores de mármore e vidros, que oferecem luminosidade natural. O grande relógio na parede de entrada é o ponto alto da sua decoração.

(Atenção para os fotógrafos frenéticos: aqui é proibido e a fiscalização é pesada. Foto tirada desse link)

Mas a estação funcionou até o ano de 1939, quando sua infra-estrutura e seu tamanho se tornaram pequenos para receber a expansão do sistema ferroviário da cidade. O governo voltou os olhos novamente para aquele espaço só em 1973, com o objetivo de fazer um museu reservado à obras da segunda metade do século XIX, período de grande inovação artística. As reformas começaram e o local foi reaberto ao público em 1986, com coleções de pinturas, esculturas, design e fotografias. O lado direito do museu é o que eu mais gosto pois traz artistas da estética impressionista como Van Gogh, Edouard Manet e Claude Monet.



(Sabe aquelas imagens que a gente nas aulas de arte e se pergunta onde estão? Estão lá. A esquerda, auto-retrato de Van Gogh. A direita, Almoço sob o bosque de Manet. Fotos tiradas desse e desse link)

Admito que para entrar sem pagar burlamos a fiscalização...! A França tem uma lógica bizarra. Crianças e estudantes entre 12 e 25 anos sempre pagam meia. O estranho é que em certos lugares, como no Museu d'Orsay, não importa se você é estudante ou não, mas sim que você tenha até 25 anos. E a Fafá tinha 26. Então eu e Tissi passamos, voltamos pro início da fila e entregamos o cartão pra Fafá. Era isso ou 7,50 euros para a entrada.

Voltamos para o hotel... mas eu tinha uma missão: resgatar o Teichmann, um amigo brasileiro que estava morando na Alemanha mas ia fazer a viagem de fim de ano com a gente. Enquanto as meninas dormiam, eu subia e descia a Gare de Lyon com medo de nos desencontrarmos... Até que desisti e voltei pro hotel. Então ele me ligou. Voltei pra estação. Ele me ligou. Voltei pro hotel! Que alegria encontrar com ele!

O Teichmann é uma pessoa peculiar. Já morou na Alemanha por doze meses quando tinha 17 anos, já viajou a dezenas de países da Europa, mas nunca tinha colocado os pés na França. Era pra ele ter chegado bem antes e passeado conosco, conhecido o Louvre, visitado o bairro de Montmartre. Mas uma coisa era a que ele mais queria fazer: subir a Dama de Ferro.

(Chegamos em Paris às 9h da manhã, mas só a noite, quando por uma coincidência nos deparamos com Torre Eiffeil ao fundo a Fafá gritou "Ahhh, eu to em Paris!". Clichê ou não, ela estava certa. Estar na capital francesa é ver a torre)

O símbolo-mor da capital parisiense foi construído no ano de 1889 para a Exposição Mundial de Paris. Anos antes do evento, o governo abriu inscrições para um concurso que iria escolher um projeto de design e arquitetura que fosse capaz de mostrar ao mundo o savoir-faire francês. Gustave Eiffel ganhou o concurso e o apoio... do governo. E só. Dizem que a população não gostou do projeto e achou a torre um tanto quando feia. Mas sua estrutura inusitada e seus 324 metros (foi a construção mais alta do mundo até 1930) chamou a atenção de todos e rapidamente se tornou famosa.

Como sempre, a fila para a subir a Torre Eiffel estava imensa. Mesmo em uma segunda-feira, a noite, no inverno, ela dava voltas. Me esqueci que em Paris sempre é alta temporada. Já era noite quando chegamos lá em cima. A vista continuava linda, mas os pontos turísticos não estavam mais tão visíveis. Demos a volta completa e tiramos mil fotos, mas não demoramos muito para descer pois o vento estava congelante.

(Vista noturna do Champs de Mars do alto da Torre Eiffel)

A pergunta então foi: "e aí francesinhas, pra onde a gente vai agora?". Tínhamos de mostrar Paris para um turista em três horas úteis. E pela nossa experiência o melhor lugar era o Champs-Elysées. A avenida mais famosa da cidade que ostenta o Arco do Triunfo com certeza estaria cheia de gente, de comércio e de atrações àquela hora da noite. Isso sem contar que era o ponto mais bonito (quiça de toda a Europa) para se ver no natal.

Andamos por toda a avenida. Entramos em diversas ruas para ver os monumentos do 8º arrondisement, como o Grand Palais e a Igreja de Santa Madalena. Chegamos até a Place de la Concorde, que guarda uma linda fonte e o famoso obelisco egípcio de 3300 anos, ofertada pelo presidente do país à nação francesa em reconhecimento ao primeiro tradutor dos hieróglifos. Ali também estava a Roda Gigante que a gente via lá da outra ponta da avenida. O preço por cabeça? 30 euros. Demos meia volta instantaneamente e continuamos a andar.

(Roda gigante no final da Champs-Elysées. Ao lado direito, o obelisco egípcio. Foto tirada desse link)

Apesar de ser só o início da nossa eurotrip, nos divertimos como se não houvesse amanhã. Até o frio passou. Andamos uns oito quilômetros em três horas. Passeamos pelas barraquinhas do mercado de natal, conversamos com estranhos, zombamos do excesso de ostentação da capital francesa, subimos em monumentos histórico para tirar fotos e, claro, como não podia deixar de ser com um grupo de brasileiros, não paramos de falar um segundo.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Lindas paisagens (e outras nem tanto) de uma Paris em neve

Depois de uma ceia de natal meio melancólica, fomos espantar a tristeza da melhor forma que um turista poderia fazer em Paris: passeando. Nossa amiga de intercâmbio também estava na capital francesa com seus pais e combinamos de nos encontrar no Jardim de Luxemburgo ,às 11h da manhã. Assim, acordamos cedo, colocamos nossas roupas - o que no inverno significa gastar muito tempo - e pegamos o metrô em direção ao 5º arrondissement, o mais antigo da cidade.

(O Jardim de Luxemburgo, símbolo da região)

Sem querer, passamos por um monte de monumentos históricos. Aliás, a graça de Paris é exatamente essa: a cidade inteira tem um monte de monumentos históricos. É como se estivéssemos em um museu a céu aberto. É só se distrair e... voilà, algo grandioso para ser visto. Foi por causa disso que começamos a brincar que, se houvesse algum prédio ou estátua que não pudéssemos identificar, pelo menos saberíamos que ele é um patrimônio público, com mais de 200 anos de história e que tem relação com a Revolução Francesa.

Entre esses estava o Panteão, monumento em estilo neoclássico construído entre os anos de 1758 e 1790. O prédio foi uma promessa do rei Luís XV à Santa Genoveva, a qual atribuiu a cura de uma forte gripe. O local passou de igreja católica à templo republicano e à museu da história da França, o que faz com que os elementos que marcam sua arquitetura permitam ao visitante percorrer a própria história da França. Hoje, ele serve à honra de importantes personagens e eventos que marcaram o país.

(O local estava fechado a visitação. Uma pena, pois ele parece impressionar tanto por fora quanto por dentro. Segunda foto tirada desse link)

Ao redor, uma série de prédios monumentais (como praticamente tudo em Paris). Mas uma linda construção ali do lado se destaca. A igreja de Saint-Étienne-du-Mont é injustamente pouco cohecida. O estilo gótico não é nem de perto tão bonito quanto o de outros pontos turísticos, por exemplo a Igreja de Notre-Dame, mas a graça está na fachada irregular. A torre de um lado só, as pequenas janelas, os detalhes, ora triangulares, ora redondos, fazem a igreja se parecer a um brinquedo de madeira esculpido a mão.

(A bela e singela Saint-Étienne-du-Mont)

Chegamos então ao Jardim de Luxemburgo. A mim, que o vi no auge do verão, foi um choque. Não me pareceu bonito, sequer charmoso. E não adianta as estátuas no meio do caminho, as fontes congeladas e sequer o palácio de Luxemburgo ao fundo. Jardim que é jardim precisa de verde. A neve que cobria os 23 hectares do local o deixou comum, por vezes sombrio. Sem contar que é impossível ficar ali por muito tempo sem sentir os dedos congelando. Demos uma volta cautelosa para não escorregar naquele rinque de patinação e fomos embora. Entramos no Subway mais a frente para esquentar o corpo. Comemos um sanduíche também, mas o almoço pareceu somente uma desculpa.

Nesse ponto nos separamos e então seguimos pela margem do Rio Sena até chegar à Île de la Cité, onde fica a famosa Catedral de Nossa Senhora, mais conhecida como Notre-Dame. No fundo, ela é uma das igrejas mais estranha que eu já vi. Ela é retangular, com duas torres que parecem inacabadas e não tem nenhuma cruz. Mas ainda assim é uma das mais bonitas. Apesar da sua arquitetura inusitada, as estátuas e os detalhes preciosos da igreja deixam qualquer pessoa boquiaberta. Percebe-se então que os mais de 180 anos de construção não foram jogados fora. Por dentro ela é igualmente bonita. Juntam-se então dois pequenos detalhes: as rosáceas de vitrais. Com 13 metros de diâmetro, são as maiores de toda a Europa.

(No Natal uma grande árvore fica na frente da igreja. Dentro, é possível ver o presépio)

Mas se você achar a igreja de Notre-Dame inusitada, experimente dar uma voltinha do lado de fora. Ela é completamente diferente vista do lado esquerdo ou do lado direito, e ainda mais random se vista por trás, aonde se vê uma torre que liga uma série de arcos com detalhes pontiagudos. O diferente, nesse caso, não quer dizer feio. Na saída, um passeio sem pressa às margens do Rio Sena ainda dentro da Île de la Cité.

(Notre-Dame vista de costas é praticamente outra igreja)

Três em um

Os nossos próximos passos juntavam exatamente a vontade de cada uma de nós. A Fafá queria visitar o Moulin Rouge, a Tissi queria reproduzir os passos da Amélie Poulain, e eu queria voltar a Igreja do Sagrado Coração, o local mais alto da capital francesa e de onde é possível ter uma das mais belas vistas da cidade. Todos os caminhos levavam ao bairro Montmartre.

(Engraçado como, pensando agora, esses passeio dizem muito sobre a personalidade de cada uma de nós)

Paramos na estação Pigalle e fomos direto para o Moulin Rouge. Do lado de fora, ele perde metade do seu glamour quando ainda há luz do sol, sem os néons que cercam a fachada do cabaret. Do lado de dentro, o tapete vermelho e as fotos das modeletes seminuas (ou totalmente nuas) que já se apresentam por ali não deixam a desejar. Infelizmente, não é possível entrar. As portas se abrem às 23h para os endinheirados dispostos a pagar em torno de 100 euros pelo espetáculo.

Fomos então dar uma voltinha pelo Boulevard de Clichy, aonde ficam as sexy-shops da cidade. O engraçado é que a rua parece concentrar realmente TODAS elas. São lojas de diferentes tamanhos para diferentes públicos com tudo o que se pode imaginar. No meio desse mundo de fantasias sexuais e vídeos pôrnos, uma porta levava ao Museu do Erotismo, no qual a Fafá conta tudo no seu blog Norma Lúcia e os visitadores.

Na subida ao Sacré-Coeur fomos passando por pontos que foram cenários do filme Le fabuleux destin d'Amélie Poulain, um dos maiores sucessos do cinema francês. A comédia romântica é uma representação - por vezes idealizada - da rotina dos moradores de Montmartre, bairro que ficou famoso no século XIX por ser ponto de encontro de artistas e intelectuais como Cèzanne, Va Gogh, Renoir e Monet.

(As ruas de Montmartre assim como a Place du Tertre funcionam, hoje, em função do turismo)

Símbolo desssa época é a Place du Tertre, aonde habilidosos pintores reproduzem as paisagens de Paris e também o rosto das pessoas. O local é pouco visitado pelos moradores, mas enche de turistas, fato que faz os habilidosos artistas receberem também o adjetivo de insistentes.

Quando chegamos ao Sacré-Coeur já era noite. Naquele 25 de dezembro, uma legião de fiéis fazia fila na igreja. Apesar do sem número de turistas que passeavam pela basílica, a missa transcorria normalmente, com um silêncio forçado, mas respeitoso. Por isso saí rapidinho. A paisagem do lado de fora já bastava. O branco "insujável" do mármore que recobria a igreja era tão claro que acabava com a necessidade de iluminação. Melhor assim, pois as luzes da cidade lá em baixo pareciam ainda mais fortes. Na volta, uma paradinha no Moulin Rouge enfim iluminado (e glamourouso).

(Estupendo mesmo no escuro)

Como na caixa de bombom

Se minha segunda viagem a Paris valeu por algum motivo, esse motivo foi ver o Champs-Elysées todo iluminado pelas luzes de Natal. Valeu a noite sem a família, a ceia com lasanha de microondas, o hostel de quinta categoria, as batatas da perna doendo, os dedos dos pés congelados. Quando ia ao supermercado de Clermont via a caixa de bombons da Lindt com aquela imagem que a mim era o resumo do natal parisiense. Uma foto não reproduz, mas acredite: é ainda mais bonito que na caixa.

(A caixa de bombons da Lindt e o cenário na vida real. Paisagens de tirar o fôlego. Foto tirada desse link)

O frio parou. Eu não tinha pressa nenhuma de sair daquele lugar. No fim de um dos lados, o Arco do Triunfo. No outro, uma imensa roda gigante. Além das luzes a avenida recebia também um mercado de natal. Ao longo dos dois lados da via tinham barraquinhas de madeira vendendo artesanatos, lembranças, roupas, comidas e bebidas. Sem contar as lojas e restaurantes que ficavam abertos para aproveitar o movimento. Milhares de pessoas passavam pelo local. Escutamos todas as línguas possíveis e percebemos que tinha um mundo de brasileiros por lá, brasileiros que saíram do verão de 40 graus para cair no inverno de -5. Pareciam aproveitar como nós! Era o espírito de natal. Chegou tarde para mim, mas veio naquela noite.

Curtição na capital francesa

Quando os pés moídos e dormentes encontraram a porta de entrada do albergue eles pediram por um descanso. Mas dormir pra quê, afinal? Quando subimos a escada do albergue escutamos uma risada em unísono descer pelos corredores. Logo depois, algumas palavras em português. Paramos na porta, demos um "oi" e pronto, estávamos em casa.

(A noite no Champs Elysées... pena que a avenida ficava a quilômetros (e euros) de distância)

Era um grupo de mais ou menos 8 brasileiros, que juntos com alguns mexicanos iam sair para beber uma em qualquer bar perto do hotel. Recebemos o convite logo de cara. Os bares do nosso bairro estavam todos fechados ou fechando. Parece que a lei de Clermont-Ferrand, se aplicava a toda a França. As boites podem ficar abertas até o amanhecer, mas os bares têm alvará para funcionamento até no máximo 2h da manhã, sendo que a maioria fecha meia-noite. Sentamos no primeiro que encontramos e então foi um falatório só. Enquanto os turistas se aproveitavam do nosso francês, a gente ria da indignação deles com relação aos grosseiros parisienses. Estava na cama de novo às 3h da manhã, torcendo para dormir o suficiente para o próximo dia.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Natal entre amigos e lasanhas

Nunca passei o Natal fora de casa ou longe da minha família. Para mim, 24 de dezembro é um dia realmente especial, daqueles em que deixamos tudo o que não for relacionado ao espírito natalino para trás. Eu normalmente acordo cedo, ajudo minha mãe com as rabanadas, assisto um pouco de TV, ligo para alguns amigos especiais, me arrumo e vou para a casa de algum parente comer uma boa ceia de natal.

(A imagem de uma ceia de natal perfeita)

No dia 24 de dezembro do ano passado eu também acordei cedo... e só. Com muitas roupas de frio, uma mochila nas costas e um bilhete na mão, saímos da nossa residência em Clermont-Ferrand às 5h da manhã e pegamos um trem para Paris, a cidade que escolhemos para passar a noite de Natal.

Apesar de cansada, dormi pouco. Viajar de trem no inverno europeu é incrível. Tenho um quebra-cabeça de uma cidade nevada da qual não sei o nome. É uma cidadela com casinhas de madeira e gelo branco sob os seus telhados. Os postes com luminárias à moda antiga mostram o caminho que um possível habitante pode fazer para para chegar ao lago central. Ao redor, pequenos arbustos verdes, daqueles que conseguem resistir ao inverno rigoroso. Sempre que o montava ficava horas olhando pra paisagem imaginando onde seria. No trem para Paris vi um monte de pequenos vilarejos que podiam ser meu antigo quebra-cabeça.

Três horas depois chegamos à cidade luz. Paris continuava a mesma. Linda como sempre! Alguns lugares perdem completamente o charme de acordo com o clima. Nenhuma cidade que têm praia é tão bonita no inverno quanto no verão. Nenhuma cidade com grandes montanhas é tão interessante no verão quanto é no inverno. Paris está entre o seleto grupo de lugares que não perde a graça em nenhuma época do ano. Com o sol de julho, a graça fica nos jardins bem cuidados e na descontração (por vezes tão rara) dos seus habitantes. Com a neve de dezembro, as casas parecem pinturas e a moda nas ruas ganha elegância.

(Com certeza as pessoas ficam mais elegantes no inverno... mas porque todo mundo tem também de ficar monocor? Foto tirada desse link)

O primeiro passeio

O clima foi a primeira grande diferença entre essa viagem e a que fiz em agosto. Tudo continuava lindo, mas estava tudo diferente. A cidade, que sempre me pareceu bege demais, estava ainda mais monocor. As roupas curtas e coloridas foram trocadas por sobretudos e écharpes de tons nude. Os franceses que me chamaram tanto a atenção pelo uso regular e constante dos espaços públicos agora passavam rápido pelas ruas em busca de um lugar quente.

Agora era ainda mais fácil ver a diferença entre turistas e nativos: nas praças e espaços públicos só tinham turistas, pois os franceses acostumados a aproveitar o sol no meio do ano preferiam esperar até o verão voltar. Em compensação, do lado de fora dos bares e restaurantes, só nativos ou turistas acostumados com o frio, pois nenhum turista (como eu, por exemplo) seria capaz de esperar 40 minutos por um prato e ainda comer do lado de fora. Esses ficavam todos dentro, de preferência perto do aquecimento.

(As ruas de Paris no dia 24 de dezembro)

O frio tornou os passeios mais curtos. Continuamos obstinadas a passa pelo maior número de locais possíveis e andávamos sem parar. Porém, de duas em duas horas procurávamos um lugar quente para descongelar os pés (que mesmo com duas meias e botas ficavam petrificados em contato com o chão) e esquentar um pouco o corpo. Os museus eram as melhores opções.

Por isso o nosso destino final naquela manhã seria a casa de Victor Hugo, considerado um dos maiores escritores da língua francesa, autor dos famosos Os Miseráveis e Notre-Dame de Paris, esse usado mais tarde pela Disney no longa O Corcunda de Notre-Dame. Demos uma voltinha pelo 12º arrondisement, onde estava nosso hotel e passamos pela Place de la Bastille, onde ficava a antiga prisão francesa de mesmo nome. Ali que aconteceu a Queda da Bastilha, um dos movimentos que deu início à Revolução Francesa no ano de 1789. Hoje, no local da prisão foi construída uma enorma praça com um obelisco no meio, em comemoração aos "três gloriosos", três dias de grande agitação durante a Revolução de Julho em 1830.

(Os moradores próximos usam a Place de Vosges para fazer caminhadas mesmo na neve)

Depois passamos pela Rue Saint-Antoine, que mais na frente se transforma na famosa Rue de Rivoli, um dos melhores locais para se fazer compras na cidade. As ruas transversais dão acesso à Place de Vosges, um local realmente peculiar. Ao contrário das praças e jardins normais, abertos e fáceis de serem localizados, a Place de Vosges parece estar propositadamente escondida entre os prédios ao redor. Alguns até podem pensar que se trata de um jardim particular, mas pelo tamanho do espaço seria quase impossível.

A casa do Victor Hugo fica em um dos prédios em frente à praça. O escritor foi morar nesse apartamento depois de deixar a família, aos 30 anos. Lá ele escrevia algumas de suas obras grandes obras, levava suas amantes e se encontrava regularmente com amigos, como Balzac e Alexandre Dumas. O espaço é bem organizado. Mostra como ele vivia, alguns dos objetos que ele utilizava e manuscritos originais. As melhores partes são os quadros presos às paredes que contavam como era seu relacionamento com amigos e família, sempre conturbados. Artistas...

(Um dos espaços da casa de Victor Hugo. Cores quentes e requinte nos utensílios)

Depois entramos no museu George Pompidou. O local é, por si só, uma obra de arte. Um emaranhado de estruturas de metal, plástico e túneis, todos do lado de fora. Sua arquitetura também faz parte do projeto do caráter contemporâneo que ele pretende passar, mas é quando se entra no museu é que se entende porque ele é assim: com todas as estruturas do lado de fora, além de uma estranha mas irreverente aparência, o museu também ganha mais espaço interno.

(As galerias do Pompidou guardam obras de artistas como Corbusier, Miró e Jean-Luc Godard)

Não visitamos as galerias, só as obras dos espaços de convivência. Então, já no centro da cidade, passeamos pelos lojas e pelas ruas de Paris. O tipo de passeio que pessoas com roteiro fechados demais deixam passar. Atenção aos turistas: um espaço para flanar por Paris, sem ficar procurando se localizar o tempo todo em um mapa, é fundamental.

A fadítica ceia de natal

Nesse passeio sem roteiro por Paris fomos parar no Quartier Latin, famoso bairro estudantil de Paris aonde está a a Universidade de Sorbonne e alguns dos barzinhos mais descolados da capital. Mas já estava tarde e a cidade começou a esvaziar. Não entendemos porque... foi quando nos lembramos, de repente, que era Natal. Com certeza as pessoas estavam voltando para suas casas para encontrar com os familiares e amigos. Não era o momento de ser turista em Paris pois as ruas estariam vazias e os monumentos fechados. Restaurantes também não eram uma opção, pois tudo era caro. Apesar de ser Natal, não podíamos nos esquecer que ainda éramos intercambistas.

(A noite foi chegando e sequer a place de Sorbonne, um dos pontos mais agitados da capital, tinha pessoas)

Passamos em um supermercado para organizar a nossa ceia. Precisávamos de algo barato, gostoso e que só precisasse de um microondas. Lasanha, é claro. Compramos uma de bolonhesa, um bom, suco e algumas bobagens achocolatadas.

(Hum... #soquenao. Foto tirada desse link)

Na volta, fomos comprar tickets de metrô e fomos pegas de surpresa por um vendedor, no meio da estação. Ele viu nosso sotaque e perguntou de onde éramos. Então começou a falar que já foi ao Brasil e que se encantou com a floresta Amazônica, um lugar que nenhuma de nós já tinha ido. Falou de espiritualismo, de rituais e tradições em meio aos índios. De como nossas riquezas naturais são exuberantes, como nosso país são abençoado e como a gente não era capaz de enxergar isso. Falou então que todos somos abençoados, que são as pessoas que se diminuem frente aos problemas externos e começou a nos pedir, por algum motivo, que a gente jamais deixasse alguém dizer que éramos menores do que realmente somos e que é nisso que também reside o espírito do natal, nesse (re)nascimento.

Fomos embora e então descobrimos que ficamos mais de trinta minutos conversando com ele, sem pensar no frio, sem pensar no tempo. Foi bem engraçado na verdade. Aquilo parecia não acontecer com mais ninguém. Porque com a gente? Porque no Natal? Fiquei sem respostas. O nome dele, a propósito, era Gabriel. Curioso...

(A farta (?) ceia que nos esperava no nosso albergue)

A recepção do albergue estava cheia. Tomamos banho e nos revezamos para ficar na fila do microondas. Depois de pronto, dividimos, brindamos, e voilà. No fundo, passei o Natal em família, parte da família que fiz durante o intercâmbio estava ali. Mas foi bem triste também... não teve o mesmo clima de sempre, a mesma sensação. Minha família me ligou mais tarde desejando feliz natal. Eles estavam todos reunidos na minha casa comendo escondidinho de bacalhau, peru, batatas assadas e salpicão (ah, salpicão...). Riram todos quando disse que minha ceia de natal consistia em uma lasanha de microondas. Pensando hoje, é mesmo engraçado.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Em Paris, sem dinheiro

Durante meu intercâmbio, fui três vezes para Paris. A primeira foi antes mesmo de chegar à Clermont. Eu estava com meu pai e esse fato muda completamente o tipo de viagem. Afinal, ele pagava tudo! Passei três dias na cidade luz dormindo em um ótimo hotel, comendo em restaurantes modestos - mas gostosos - provando os deliciosos macarons, experimentando um monte de guloseimas e visitando um sem número de lugares. E ainda sobrou tempo para comprinhas nas Galeries Lafayette.

(Na minha primeira passagem por Paris comer na Champs Elysées não era um empecilho)

O trajeto que fiz com meu pai está descrito nos posts "O que fazer em Paris" Parte 1 e Parte 2, mas com algumas mudanças de roteiro como, por exemplo, uma visita ao Centre George Pompidou, que eu era louca para conhecer, e ao Musée D'Orsay, que se tornou meu preferido.

A segunda passagem por Paris foi bem diferente... Era novembro e estávamos pensando em qual seria nossa viagem de final de ano. Clermont é uma cidade universitária e estaria vazia na época do natal pois os estudantes - estrangeiros e franceses - já teriam voltado para passar as festividades com suas famílias. Foi quando a Fafá disse que queria muito ir à Paris e que essa talvez fosse a única oportunidade... Além disso, meu amigo de colégio que estava na Alemanha ia viajar com a gente e ele, que estava no seu segundo ano de intercâmbio e já conhecia mais da metade da Europa, também nunca tinha ido para Paris (OI?). Estava decidido.






(Natal em Paris... não esperávamos nada menos que uma Torre Eiffel colorida e uma cidade cheia de pisca-piscas e árvores enfeitadas (com neve de verdade). A parte dos presentes e da família reunida... bem... deixa pra próxima ne?)






No dia 24 de dezembro, às 5h da manhã, Eu, Fafá e Tissi saímos de Clermont. A primeira diferença entre a viagem com meu pai e essa aventura de universitários pobres foi a hospedagem. Com meu pai fiquei no Ibis próximo à Torre Eiffel, com direito a um café da manhã recheado de croissants, brioches, queijo brie e suco de laranja natural. Para essa viagem, procuramos o albergue mais barato, sem se importar com localização ou comida. O meu maior aliado foi o Hostels Club, o site em que encontrava as melhores opções pelos melhores preços. Foi assim que reservamos o Hostel Blue Planet, no 12º arrondissement de Paris, bem longe de... quase tudo. Mas pertinho da Gare de Lyon, onde descemos de trem.

O preço da diária em quarto coletivo com café da manhã incluído era de 16 euros. Paris, no natal, por 16 euros? Não pensamos duas vezes. Chegando lá, tivemos a sorte de ter um quarto com três camas sobrando e ficamos juntas, com muita segurança e sem receio de assaltos. Os colchões eram meio sujos mas quarto era quentinho. Já o banheiro era uma porcaria. A porta não fechava direito, a ducha era péssima e o ralo estava entupido. Descobrimos que o café da manhã era, na verdade, três fichinhas. Duas para tirar croissants de uma máquina de produtos semi prontos e outra para pegar café na máquina de bebidas. De toda forma lucro, pois os hostels mais caros nem isso serviam.











(A esquerda, o espaço para café da manhã do Ibis. A direita, o espaço para café da manhã, almoço, jantar, cozinha, sala de convivência e sala de TV integradas do Blue Planet. Foto tirada desse e desse link)

Como em todo albergue, a cozinha/sala era a alma do local. Conhecemos um monte de gente e um grupo enorme de brasileiros. Foi quando senti outra grande diferença: em viagem com a minha família é raro conhecer alguém e ficar horas de papo, muito menos abrir mão dos passeios programados para se aventurar com uma turma que você nunca viu. Vida noturna então nem pensar. Dessa vez, resolvemos aproveitar a companhia dos hóspedes ilustres em alguns programas (e eles a nossa, já que ninguém falava francês).

Pelo visto, usamos bastante a cozinha do albergue. Claro. Comer e beber em Paris é sempre um grande desafio financeiro. Já no primeiro dia gastamos duas horas em um supermercado e compramos a ceia de natal (uma lasanha de microondas bem baratinha, para ser mas específica), sopas, legumes em lata e pratos semi-prontos de acordo com as refeições que faríamos dentro do hostel. Para as poucas refeições que faríamos fora do albergue, a opção era a famosa baguete.

Uma vez almoçamos no Flunch, um de fast-food com comida de verdade. Cada coisa tem um preço, sendo que o prato do dia é 6,50 euros. Por esse preço você paga a carne e, depois de passar a roleta... voilà: os acompanhamentos podem ser servidos a vontade. Saladas, arroz, macarrão, batata frita, legumes... Claro que a gente exagerou e passou umas duas horas com a sensação de estômago cheio.

(Croque Monsieur. Adivinhem em qual das viagens comi essa maravilha?)

Com meu pai foi tudo diferente. Nesse post, que fiz lá de Paris, dá pra perceber que comer e beber foi realmente delicioso. Gastamos de 15 a 20 em cada refeição, bem tipicamente francesa. O garçom trazia uma cestinha com pães e uma garrafa d'água. Depois chegava a entrada e então o prato principal. A sobremesa a gente comia longe dali. No último dia experimentei o famoso Berthillon, considerado o melhor sorvete da França.

Por último, as compras. As únicas coisas que comprei nessa viagem foram um chapéu para tampar minhas orelinhas do frio e um porta vinhos que a gente ia dar de presente para o nosso anfitrião em Sevilha. Mais nada. Que eu me lembre cada uma de nós comprou um chapéu e esses souvenirs bestas de toda viagem, como cartões-postais, chaveiros, canecas. Ninguém comprou blusas, cachecóis, livros... sequer comida boa. Então porquê gastamos um bom tempo olhando lojas?

(Me diz pra quê, Tissiane, passamos uma hora no Marché de Nöel do La Defense?)

Para além das diferenças, a nossa viagem para Paris contou com uma triste ceia de natal, companhias agradáveis, passeios inusitados, mendicância e um par de boas risadas. Ela era só o começo da nossa viagem de fim de ano que eu começo a contar agora!