terça-feira, 18 de outubro de 2011

Natal entre amigos e lasanhas

Nunca passei o Natal fora de casa ou longe da minha família. Para mim, 24 de dezembro é um dia realmente especial, daqueles em que deixamos tudo o que não for relacionado ao espírito natalino para trás. Eu normalmente acordo cedo, ajudo minha mãe com as rabanadas, assisto um pouco de TV, ligo para alguns amigos especiais, me arrumo e vou para a casa de algum parente comer uma boa ceia de natal.

(A imagem de uma ceia de natal perfeita)

No dia 24 de dezembro do ano passado eu também acordei cedo... e só. Com muitas roupas de frio, uma mochila nas costas e um bilhete na mão, saímos da nossa residência em Clermont-Ferrand às 5h da manhã e pegamos um trem para Paris, a cidade que escolhemos para passar a noite de Natal.

Apesar de cansada, dormi pouco. Viajar de trem no inverno europeu é incrível. Tenho um quebra-cabeça de uma cidade nevada da qual não sei o nome. É uma cidadela com casinhas de madeira e gelo branco sob os seus telhados. Os postes com luminárias à moda antiga mostram o caminho que um possível habitante pode fazer para para chegar ao lago central. Ao redor, pequenos arbustos verdes, daqueles que conseguem resistir ao inverno rigoroso. Sempre que o montava ficava horas olhando pra paisagem imaginando onde seria. No trem para Paris vi um monte de pequenos vilarejos que podiam ser meu antigo quebra-cabeça.

Três horas depois chegamos à cidade luz. Paris continuava a mesma. Linda como sempre! Alguns lugares perdem completamente o charme de acordo com o clima. Nenhuma cidade que têm praia é tão bonita no inverno quanto no verão. Nenhuma cidade com grandes montanhas é tão interessante no verão quanto é no inverno. Paris está entre o seleto grupo de lugares que não perde a graça em nenhuma época do ano. Com o sol de julho, a graça fica nos jardins bem cuidados e na descontração (por vezes tão rara) dos seus habitantes. Com a neve de dezembro, as casas parecem pinturas e a moda nas ruas ganha elegância.

(Com certeza as pessoas ficam mais elegantes no inverno... mas porque todo mundo tem também de ficar monocor? Foto tirada desse link)

O primeiro passeio

O clima foi a primeira grande diferença entre essa viagem e a que fiz em agosto. Tudo continuava lindo, mas estava tudo diferente. A cidade, que sempre me pareceu bege demais, estava ainda mais monocor. As roupas curtas e coloridas foram trocadas por sobretudos e écharpes de tons nude. Os franceses que me chamaram tanto a atenção pelo uso regular e constante dos espaços públicos agora passavam rápido pelas ruas em busca de um lugar quente.

Agora era ainda mais fácil ver a diferença entre turistas e nativos: nas praças e espaços públicos só tinham turistas, pois os franceses acostumados a aproveitar o sol no meio do ano preferiam esperar até o verão voltar. Em compensação, do lado de fora dos bares e restaurantes, só nativos ou turistas acostumados com o frio, pois nenhum turista (como eu, por exemplo) seria capaz de esperar 40 minutos por um prato e ainda comer do lado de fora. Esses ficavam todos dentro, de preferência perto do aquecimento.

(As ruas de Paris no dia 24 de dezembro)

O frio tornou os passeios mais curtos. Continuamos obstinadas a passa pelo maior número de locais possíveis e andávamos sem parar. Porém, de duas em duas horas procurávamos um lugar quente para descongelar os pés (que mesmo com duas meias e botas ficavam petrificados em contato com o chão) e esquentar um pouco o corpo. Os museus eram as melhores opções.

Por isso o nosso destino final naquela manhã seria a casa de Victor Hugo, considerado um dos maiores escritores da língua francesa, autor dos famosos Os Miseráveis e Notre-Dame de Paris, esse usado mais tarde pela Disney no longa O Corcunda de Notre-Dame. Demos uma voltinha pelo 12º arrondisement, onde estava nosso hotel e passamos pela Place de la Bastille, onde ficava a antiga prisão francesa de mesmo nome. Ali que aconteceu a Queda da Bastilha, um dos movimentos que deu início à Revolução Francesa no ano de 1789. Hoje, no local da prisão foi construída uma enorma praça com um obelisco no meio, em comemoração aos "três gloriosos", três dias de grande agitação durante a Revolução de Julho em 1830.

(Os moradores próximos usam a Place de Vosges para fazer caminhadas mesmo na neve)

Depois passamos pela Rue Saint-Antoine, que mais na frente se transforma na famosa Rue de Rivoli, um dos melhores locais para se fazer compras na cidade. As ruas transversais dão acesso à Place de Vosges, um local realmente peculiar. Ao contrário das praças e jardins normais, abertos e fáceis de serem localizados, a Place de Vosges parece estar propositadamente escondida entre os prédios ao redor. Alguns até podem pensar que se trata de um jardim particular, mas pelo tamanho do espaço seria quase impossível.

A casa do Victor Hugo fica em um dos prédios em frente à praça. O escritor foi morar nesse apartamento depois de deixar a família, aos 30 anos. Lá ele escrevia algumas de suas obras grandes obras, levava suas amantes e se encontrava regularmente com amigos, como Balzac e Alexandre Dumas. O espaço é bem organizado. Mostra como ele vivia, alguns dos objetos que ele utilizava e manuscritos originais. As melhores partes são os quadros presos às paredes que contavam como era seu relacionamento com amigos e família, sempre conturbados. Artistas...

(Um dos espaços da casa de Victor Hugo. Cores quentes e requinte nos utensílios)

Depois entramos no museu George Pompidou. O local é, por si só, uma obra de arte. Um emaranhado de estruturas de metal, plástico e túneis, todos do lado de fora. Sua arquitetura também faz parte do projeto do caráter contemporâneo que ele pretende passar, mas é quando se entra no museu é que se entende porque ele é assim: com todas as estruturas do lado de fora, além de uma estranha mas irreverente aparência, o museu também ganha mais espaço interno.

(As galerias do Pompidou guardam obras de artistas como Corbusier, Miró e Jean-Luc Godard)

Não visitamos as galerias, só as obras dos espaços de convivência. Então, já no centro da cidade, passeamos pelos lojas e pelas ruas de Paris. O tipo de passeio que pessoas com roteiro fechados demais deixam passar. Atenção aos turistas: um espaço para flanar por Paris, sem ficar procurando se localizar o tempo todo em um mapa, é fundamental.

A fadítica ceia de natal

Nesse passeio sem roteiro por Paris fomos parar no Quartier Latin, famoso bairro estudantil de Paris aonde está a a Universidade de Sorbonne e alguns dos barzinhos mais descolados da capital. Mas já estava tarde e a cidade começou a esvaziar. Não entendemos porque... foi quando nos lembramos, de repente, que era Natal. Com certeza as pessoas estavam voltando para suas casas para encontrar com os familiares e amigos. Não era o momento de ser turista em Paris pois as ruas estariam vazias e os monumentos fechados. Restaurantes também não eram uma opção, pois tudo era caro. Apesar de ser Natal, não podíamos nos esquecer que ainda éramos intercambistas.

(A noite foi chegando e sequer a place de Sorbonne, um dos pontos mais agitados da capital, tinha pessoas)

Passamos em um supermercado para organizar a nossa ceia. Precisávamos de algo barato, gostoso e que só precisasse de um microondas. Lasanha, é claro. Compramos uma de bolonhesa, um bom, suco e algumas bobagens achocolatadas.

(Hum... #soquenao. Foto tirada desse link)

Na volta, fomos comprar tickets de metrô e fomos pegas de surpresa por um vendedor, no meio da estação. Ele viu nosso sotaque e perguntou de onde éramos. Então começou a falar que já foi ao Brasil e que se encantou com a floresta Amazônica, um lugar que nenhuma de nós já tinha ido. Falou de espiritualismo, de rituais e tradições em meio aos índios. De como nossas riquezas naturais são exuberantes, como nosso país são abençoado e como a gente não era capaz de enxergar isso. Falou então que todos somos abençoados, que são as pessoas que se diminuem frente aos problemas externos e começou a nos pedir, por algum motivo, que a gente jamais deixasse alguém dizer que éramos menores do que realmente somos e que é nisso que também reside o espírito do natal, nesse (re)nascimento.

Fomos embora e então descobrimos que ficamos mais de trinta minutos conversando com ele, sem pensar no frio, sem pensar no tempo. Foi bem engraçado na verdade. Aquilo parecia não acontecer com mais ninguém. Porque com a gente? Porque no Natal? Fiquei sem respostas. O nome dele, a propósito, era Gabriel. Curioso...

(A farta (?) ceia que nos esperava no nosso albergue)

A recepção do albergue estava cheia. Tomamos banho e nos revezamos para ficar na fila do microondas. Depois de pronto, dividimos, brindamos, e voilà. No fundo, passei o Natal em família, parte da família que fiz durante o intercâmbio estava ali. Mas foi bem triste também... não teve o mesmo clima de sempre, a mesma sensação. Minha família me ligou mais tarde desejando feliz natal. Eles estavam todos reunidos na minha casa comendo escondidinho de bacalhau, peru, batatas assadas e salpicão (ah, salpicão...). Riram todos quando disse que minha ceia de natal consistia em uma lasanha de microondas. Pensando hoje, é mesmo engraçado.

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