quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Arte por todos os lados

Aproveitar o dia ou curtir a noite? A dúvida que sempre tenho quando viajo para certos lugares se tornou uma constante em Barcelona. Afinal, a capital da catalunha um dos maiores centros de arte de toda a Europa e algumas das melhores baladas do velho continente.

(O destino do dia... nada mal! Foto tirada desse link)

Como não soubemos priorizar, optamos pelos dois. E optamos também por uma viagem angustiante, na qual nunca estávamos satisfeitos. Começou já depois do revéillon. Aquela cidade imensa com mil coisas interessantes a se ver... e um grupo de cinco intrépidos turistas cansados depois de ter chegado às 6h30 da manhã em casa. Acontece que acordamos na hora do almoço e saímos rapidinho para aproveitar o dia. Um dia nublado, diga-se de passagem.

O Andrew ia com a gente, mas pegou uma gripe tão forte que não conseguiu sair da cama. Então tomamos as rédeas do passeio e seguimos suas indicações. O primeiro lugar imprescindível era o Parc Güell, um parque no alto de uma das colinas de Barcelona projetado pelo famoso arquiteto Antoni Gaudí, representante máximo do modernismo catalão e autor de algumas das estruturas mais interessantes do país. A começar pelo próprio parque.

(Vista da cidade da praça do Parque Guell)

Entramos por um portão que não era o principal e o local parecia até então um parque comum que guardava, por que não, algumas obras inusitadas. Eu subia depressa as escadas para ver o que mais tinha por ali e então cheguei à praça oval, um espaço 3 mil m² suspenso por diversos pilares e rodeado por um muro tortuoso cheio de mosaicos em cerâmica, bonitos e coloridos. Um verdadeiro exemplar da arte espanhola. Ou seria da identidade daquele país?

Não é difícil entender porque o local foi nomeado Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1984. Ele é um espaço único no mundo. Tão diferente de tudo que eu me perguntava a todo tempo em que mundo estava Gaudí quando o projetou. Quando as pessoas fazem algo, querendo ou não, têm no fundo do cérebro um referencial... as refências dele naquele pedaço de concreto não pareciam ter vindo do planeta terra. Talvez os jardins suspensos da Babilônia inspiraram a praça, talvez o fundo do mar foi a chave para os mosaicos de pedra, talvez João e Maria tenha sido a base para a construção dos pavilhões da entrada. Fato é que aquilo juntava um monte de propostas e se tornava, ao final, algo único.
















(Os pavilhões do Parque Guell guardam restaurantes e lojinhas)

O local foi financiado pelo rico empresário Eusebi Güell, mecenas de Gaudí e apaixonado por arte. Tão apaixonado que nunca interferiu em nenhuma decisão do arquiteto: ao pedir alguma obra lhe dava total autonomia para que ele fizesse o que achasse melhor. A montanha pelada, onde está o parque, era propriedade do prefeito de Barcelona e foi comprada por Güell em 1899. Surgiu do empresário a ideia de transformar o local em um espaço urbanizado e o plano inicial era que ele incluísse cerca de 60 moradias e imensos jardins. O local seria um objeto de desejo não só pela sua arquitetura mas também pela sua localização, com vistas para toda a cidade.

(Mosaicos de cerâmica e gárgulas na praça suspensa)

Mas ainda no início da década de 1900 eles perceberam que a construção não seria o sucesso esperado pois os barceloneses julgavam o espaço longe do centro da cidade. As obras continuaram mesmo assim. Com a morte de Güell em 1918 as obras pararam e seus herdeiros resolveram vender o local para o município de Barcelona, que faz do parque um espaço público em 1922.

(Um reggae a la música latina manda ver no centro da praça do Parque Güell e os turistas, afoitos, encontram mais um objeto para suas fotos)

Um monte de vivas ao governo catalão que deu ao mundo uma nova obra de arte. A turista encontra uma surpresa a cada passo e uma vontade incalculável de compreender aquele lugar incompreensível. O Parque Güell é arte pela arte. E com trilha sonora. Mais especificamente um reggae harmonioso que começou no centro da praça. A banda se chamava Microguagua e vale a propaganda. Quando a primeira música acabou nos juntamos aos outros turistas para escutar e dançar com a música daqueles seis homens de dreadlooks e moletons surrados. Passamos cerca de 20 minutos ali, rindo bastante e cantando junto.

O fim do passeio terminou em fotos com a colorida salamandra do Parque Güell, que fica na escadaria da entrada principal. Hoje, a escultura é um dos símbolos máximos de Barcelona, mas ninguém sabe ao certo o que ela representa. Alguns dizem que é uma alusão à salamandra alquímica que simboliza fogo ou mesmo ao dragão mitológico Píton. Eu acho que, partindo da cabeça do Gaudí, aquele anfíbio não passe de... uma salamadra. Foi a beleza que a transformou em arte.

(Foto tirada desse link)

Vi o céu ficando escuro e me lembrei que os passeios naquele dia estavam terminando. Então voltamos para o centro. Entre praças e construções históricos, um prédio chamou atenção. Havia uma figura nele que parecia ser desenhada por crianças. Mas como nada em Barcelona é de graça - tudo é arte - pensamos que devia ser de algum pintor famoso. Susto eu tomei quando escutei que aquela imagem era uma réplica de um desenho de Picasso. "Picasso? Mas aquilo ali está mais para Miró". Fato.

(Sátira ou arte)

Dizem que os pintores eram rivais e que certa vez, em um bar, Picasso estava bebendo absinto quando escutou dois homens próximos a ele conversando sobre a genialidade de Miró e ficou furioso. Sem conseguir se conter, ele se levantou e disse que o rival pintava como uma criança e que qualquer um podia fazer aquilo. Pegou um lápis, fez um desenho na mesa do bar e saiu fora. As pessoas ficaram olhando para ele sem entender e então se viraram para o desenho que estava na mesa e... "é, até que parece Miró". Hoje, aquela imagem embeleza um pouco um dos prédios mais feios da cidade.

Da arte moderna passamos para o época medieval. Ali no centro, a alguns metros da famosa avenida La Rambla, está o bairro gótico. O local, que é a parte mais antiga da cidade, esteve intacto até o século XIX, quando algumas reformas urbanísticas fizeram cemitérios se transformarem em praças públicas e muralhas cederem espaço à construção de novos prédios. Mas boa parte dos elementos antigos permanecem ali. Principalmente os ares medonhos e escuros daquela época.

(Uma das ruas estreitas do bairro gótico com um antigo passadiço. Foto tirada desse link)

Passeamos pelas ruas estreitas e pouco iluminadas daquela região. As construções medievais eram imponentes e enormes. Ao seguir com os olhos até onde ia aqueles muros dei de cara com um céu amarronzado que imitava a coloração das paredes e aumentava a sensação de grandiosidade. Um dos únicos monumentos abertos aquela hora do noite era a Catedral de Santa Eulália de Barcelona, uma enorme igreja gótica construída entre os séculos XIII e XV por cima da antiga igreja de estilo românico que havia ali no período visigodo. O espaço é uma das mais impressionantes e ricas igrejas da cidade, mas o preço e a fila nos fizeram desistir de entrar no seu interior. Vistamos o claustro e seus jardins, que em dias de festa natalina guardava um presépio em tamanho real.

(Jardim do Claustro. Plantas, lagos e patos debaixo do céu marrom)

Voltamos para a casa mas estávamos sem sono. E em Barcelona. Era mais um dia de festa. Troucamos de roupa e procuramos um bar para comer, beber e jogar conversa fora. Minha cabeça encostou no travesseiro às 3h da manhã. Sentia que o dia seguinte seria parecido.

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