segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Cidade de nuances

Barcelona faz parte da lista de cidades que não conheci. O mais estranho é que passei um tempo considerável ali. Fiquei três dias na cidade, visitei museus, caminhei por diversas praças, fui a bares e boates, não parei de andar um único segundo. Mas ainda assim voltei com a sensação de que não foi o suficiente.

(Do clássico ao contemporâneo, Barcelona é cercada de arte por todos os os lados. Foto tirada desse link)

Mesmo que eu não saiba porque, tenho algumas suspeitas. O primeiro ponto é a sua geografia. Em Madrid ou em Sevilha, os princiais pontos turísticos estão no centro. Existem coisas que se localizam nos extremos da cidade, mas grande parte do que as pessoas acreditam ser essencial pode ser visto de uma só vez. Em Barcelona, ao contrário, o centro tem alguns locais interessantes, como a Rambla e o Bairro Gótico, mas se você vir um mapa vai perceber que os pontos turísticos importantes estão ao redor do centro. Para conhecer todos é preciso ou muito tempo ou muito dinheiro.

Outra coisa que faz com que a compreensão sobre a cidade não seja completa é também o que a faz particular: sua arte. Além dos diversos museus e exposições, a cidade é por si só uma galeria a céu aberto. Por todos os pontos há construções do medieval ao contemporâneo, muitas delas assinadas por artistas como Gaudí, Picasso, Miró e tantos outros. Mas a mistura de todos eles pode causar confusões aos turistas menos atentos, como não compreender a história local ou mesmo e não saber se localizar em um mapa.

(A Sagrada Família, cartão postal da cidade, era o nosso ponto de referência para voltar pra casa. Foto tirada desse link)

Nos três dias que fiquei lá caí em ambas as pegadinhas. Por não entender todas as nuances da cidade... nos perdemos. Não no sentido geográfico, mas no sentido cultural de entendimento de um espaço. Ao final, fiquei com a impressão de que vi pouco e de que não captei o espírito dos seus habitantes. Mas não posso dizer que não tentei... e muito.

Noche vieja

O primeiro dia em Barcelona tinha um objetivo principal: festa. A viagem foi organizada para que chegássemos na véspera do ano novo e pudéssemos curtir o revéillon em uma das cidades com as melhores festas da Europa. Assim, chegamos com vontade de beber, conversar e dançar até a próxima primavera.

(Bebidas e conversas a meia luz em um dos melhores bares da cidade, o La Fianna. Foto tirada desse link)

O Andrew, amigo da Agathe que ia nos dar abrigo aqueles dias, foi nos pegar no aeroporto e nos levar até seu apartamento. Assim que cheguei em casa e depositei minhas malas no chão quis sair para passear pela cidade. Mas estava todo mundo cansado e afim de dormir. A Tissi foi a única que se dispôs a sair comigo, mas com outras intenções: encontrar lingerie vermelha para passar o ano novo, assim como pedem as tradições espanholas.

Saímos então pelas ruazinhas do centro da cidade. Passamos por uma, duas, três... e comecei a me perder. Pareciam todas iguais, igualmente retas, igualmente pequenas e igualmente distantes uma da outra. Além disso, as esquinas de todas as ruas eram chapadas, fazendo com que o espaço entre um quarteirão e outro se alargasse, proporcionando áreas de respiro no meio do caos urbano. Estava tudo perfeito demais para não ser de propósito.

(Imagem do Google Maps do centro da cidade de Barcelona e sua regularidade geométrica)

Barcelona começou pequena. No início ela era só a ciutat vella, o bairro mais antigo da capital catalã à borda do mediterrâneo. O local foi estrategicamente escolhido pelos romanos, pois estava em uma pequena colina entre dois córregos e tinha acesso facilitado ao mar. Ainda no século IV eles construíram uma enorme muralha ao redor de toda a cidade velha para protegé-la de possíveis ataques. Mais tarde, a muralha serviu à proteção da cidade frente os povoados que se formavam ali perto.

No século XIX, porém, as muralhas foram destruídas e em 1859 o governo decidiu anexar os seis povoados, fazendo com que eles se tornassem bairros de Barcelona. Sentiu-se então a necessidade de se pensar em um novo traçado que fosse capaz de atender a unificação dos novos territórios e também o desenvolvimento industrial e econômico da cidade. A proposta eleita veio do urbanista Idelfonso Cerdà. O Plano Cerdà, como ficou conhecido, previa a criação de um novo bairro no espaço vazio deixado entre a cidade antiga e os povoados vizinhos. A área seria cortada por duas diagonais em forma de X e as ruas seriam quadriculadas, um desenho totalmente novo no contexto europeu. O objeto era criar um espaço visualmente limpo e higienicamente correto, uma vez que até o direcionamento dos quarteirões aproveitam a direção dos ventos para a limpeza da atmosfera local.

(Plano de Cerdà. Foto tirada desse link)

Eles só esqueceram que quando as coisas são homogêneas demais fica fácil se perder. Foi o que quase aconteceu com a gente. Fomos nos afastando tanto a procura de boutiques e lojinhas que na hora de voltar tivemos de pedir informação (em um espanhol deveras enferrujado).

Voltamos ao entardecer mas logo saímos de novo para comprar comidas e bebidas para a virada do ano. Já em casa, tudo parecia harmonicamente combinado. Esquecemos um pouco que estávamos em Barcelona e que tínhamos muito a conhecer para aproveitar aquele clima de organização festiva. As meninas cozinhavam com a TV ligada enquanto todo mundo conversava animadamente.

(Alguns supermercados chegam a vender as doze uvas embaladinhas, prontas para serem usadas. Foto tirada desse link)

O Andrew me explicava as tradições do ano novo na Espanha. A principal prevê a ingestão de 12 bagos de uva nos últimos doze segudos do ano. Em Madrid, a tradição reúne centenas de pessoas na Puerta del Sol, que comem uma uva a cada badalada. Dizem que quem não o fizer, ou mesmo quem começar a comer as uvas na hora errada, terá azar no ano seguinte. Mas Andrew disse nao ver muito sentido na tradição e que algumas pessoas acabavam morrendo asfixiadas ao tentar realizar essa façanha. Ficamos então com o bom e velho brinde de champagne à meia noite!

A passagem de ano sempre me fez sentir como se o ano realmente tivesse mudado pois no Brasil parece mesmo uma comemoração. Da favela à zona sul, as pessoas soltam fogos de artifício e o céu se enche de cores por mais ou menos 15 minutos. Todo mundo fica calado, olhando para cima, admirando as piruetas dos foguetes pirotécnicos e o barulho das cascatas de fogos. E depois do silêncio, música alta e clima de festa. Ali eu não escutei nada... os únicos ruídos foram os da nossas taças se encontrando e da TV ligada. Depois, nos sentamos de novo e continuamos conversando e beliscando amendoins e semestes de girassol. Não pareceu em nada com o ano novo que estava esperando... e as meninas sentiram o mesmo.

(A noche vieja em Madrid é a que mais se aproxima do clima brasileiro que, querendo ou não, a gente estava esperando. Foto tirada desse link)

Eu queria sair, ver a cidade, o movimento das ruas, os bares cheios, as filas na porta das boates... mas não era a hora. Como tinha aprendido há dias atrás, na Espanha tudo começa tarde, e Barcelona não fugia a essa regras. Principalmente no ano novo. Até 1h ou 2h da manhã, as pessoas ficavam com a família ou na casa de amigos. Depois era hora de ir para um bar e só depois as pessoas saíam para dançar.

Assim, fomos à casa de um amigo do Andrew por volta de 1h3o da manhã e por volta das 3h30 paramos em um bar. Dali queríamos ir em uma boa boate, daquelas enormes e famosas, como a Soho Club ou a Factory. Mas Andrew e seus amigos falaram que esses lugares cobravam fortunas e não ofereciam uma diversão tão diferente assim quanto outros diversos lugares mais baratos e mais originais... então acabamos em uma boate pequena, simpática e divertida em uma das ruas transversais à Rambla.

(Um dos vários salões da RazzMatazz, uma das maiores e mais badaladas discos da cidade. Foto tirada desse link)

Pegamos um metrô às 6h da manhã e voltamos para casa, cansados. No caminho, as ruas continuavam cheias. Perguntei ao Andrew - que ainda tinha algum nível de sobriedade no rosto, - se era sempre assim. "Barcelona é uma metrópole. Aqui tem de tudo para todo tipo de pessoa. Ela não para e está sempre cheia de gente". Fiquei admirada. Afinal, estava há quatro meses em uma cidade que morria depois das duas da manhã. Mesmo em Paris ou Belo Horizonte, para pegar exemplos díspares, as ruas não eram tomadas por pessoas na madrugada.

(La Rambla durante a noite. Há vida em Barcelona mesmo altas horas da madrugada. Foto tirada desse link)

Com o tempo entendi o ritmo da cidade, embora ainda hoje não entenda muito bem o que ela pretende. A cidade que não para é chamado por muitos como "metrópole do mediterrâneo" e deve ser por isso mesmo que cada pessoa sai dali com um sentimento diferente. Uma metrópole sempre tem combustível para alimentar todo tipo de percepção.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Se vê

Meu olhar sobre Sevilha é viciado. Quando cheguei ali, ela já era minha. Não me causou grande impacto descer do tranvia e me deparar com a maior catedral gótica do mundo. Andava pelas ruas como se conhecesse bem aqueles caminhos que são percorridos desde o século XV e olhe lá. Contava às minhas visitas curiosidades que tinha ouvido outrora , sem sequer checar a credibilidade. Ficar pretensiosamente perdida nas ruas da judería era quase natural.


Descer no centro da cidade naquele fim de julho bateu diferente. Não foi indigesto, mas, sim, prazeroso. Depois de conhecer todos os mitos que me atraíam – Paris, Roma, Barcelona – eu pude abrir meus olhos com simplicidade para aquelas cores. Para aquela gente que fala gritando. Para aquela expectativa de encontrar, em cada esquina, alguém que cante em rodas trechos de flamenco como o Almodóvar me fez acreditar. Dessa vez, eu voltei por saudade e meu coração viu, enfim, o que eu procurei o tempo todo. Querer parar no tempo é passar por ali.

Andar pela Sevilha turística pede passos lentos na Avenida de la Constitución. Ouvidos atentos na Catedral e atenção especial para todos os becos, que revelam saídas incríveis. O Archivo de Índias, que guarda toda nossa história em documentos sobre a “descoberta” da América. Foi daquele rio que corre ali, paralelo, que Colombo se despediu pra peitar a nova aventura. É cruzar com as carruagens que levam turistas enfeitiçados – que já se esqueceram dos 50 euros que tiveram que investir no passeio de meia hora em meio a la crisis. O Real Alcázar e a maestria da arquitetura árabe que hoje se encaixa harmoniosamente no mesmo quarteirão da igreja gótica. [Eles pareciam saber conviver melhor quando o mundo era menos "evoluído"]. As ruas tortas e estrategicamente estreitas, que escondem o sol e protegem dos invasores.

É sair de tapas pelo Santa Cruz, comer um churros típico na beira do Guadalquivir e atravessar a ponte para conhecer a Triana – que, por favor, não é Sevilha! – e se deixar levar pela San Justino. De lá, ou de qualquer outro lugar dessa antiga Betis, o mais importante é perceber: a Giralda nunca escapa do seu olhar.

Todos esses sentimentos refloresceram quando meu amigo Victor me apresentou a última entrevista do poeta João Cabral de Melo Neto – que também viveu e se apaixonou por Sevilha, pelas ruas estreitinhas, pela praça de touros, pelo povo. "O sevilhano quer sempre a coisa feita no máximo". A verdadeira cidade está nos mínimos detalhes.

Gabriela Garcia é jornalista por profissão e conectada por opção. Adora ficar na internet fuçando sites alheios e planejando viagens que ainda vai fazer. Já passou 3 meses na gelada Vancouver e outros 6 na ensolarada Sevilha, mas a saudade do Brasil lhe fez voltar para BH. Hoje, ela conta suas impressões sobre o mundo, seus planos futuros e otras cositas más no blog Medialunas

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Chuvosa Sevilha

Dessa vez não acordei com um raio de sol batendo no meu rosto. Muito pelo contrário. Quando o despertador tocou, olhei para a janela e vi o céu cheio de nuvens cinzas. Fiquei uns cinco minutos deitada na cama, entre a preguiça de me levantar e a tristeza de ver o dia nublado. As ruas estavam molhadas, então torci para que toda a chuva já tivesse caído.

(A chuva vista do alto da Giralda para o patio de las Naranjas, dentro da Catedral da cidade)

Acordamos tarde por causa da farra do dia anterior e resolvemos pular o café da manhã. Fomos de novo ao La Taberna comer as deliciosas patatas bravas. Talvez por causa da chuva ou do horário - 13h ainda é cedo demais para almoçar nos critérios espanhóis - o local estava tranquilo. Pegamos uma mesa perto do balcão e enchemos a pança antes de turistar por Sevilha.

Conversando sobre a programação do dia, percebemos a sorte de ter visitado tantas coisas no dia anterior. Fomos à praças, bairros típicos e vimos uma infinidade de monumentos históricos ao passear pelas ruas da cidade. Por algum motivo não entramos em museus ou igrejas, passeios ideais para aquele dia de chuva.

(Porta do Palácio de Pedro I, um dos edifícios do Real Alcázar)

Começamos então pelo Real Alcazár de Sevilla, um conjunto de edifícios palacianos rodeados por uma muralha no centro da cidade. Do lado de fora não parecia tão deslumbrante e ficamos na dúvida sobre entrar ou não por causa do preço. Nosso amigo aconselhou: "como quiserem, mas se eu tivesse que levar um estrangeiro para visitar um único lugar da minha cidade eu o traria aqui". Fomos conquistados por uma frase e resolvemos entrar de qualquer forma. Estava com os 7 euros na mão quando o guarda disse que estudantes da União Europeia não pagavam. Entrei, de graça, e percebi que se tivesse pago pela visita ela ainda assim valeria todos os meus centavos.

O enorme Real Alcázar começou a tomar forma no ano de 720, quando os árabes tomaram a cidade e passaram a usar o local como residência dos seus dirigentes. O local foi se ampliando a cada ano e ganhando novas edificações, como o Palácio da Bendição e o Alcázar. Para a construção e ornamentação eram chamados artesãos locais e também das cidades de Toledo, Granada e outras. A arquitetura islâmica está em todos os lugares e pode ser facilmente notada nos domos circulares cuidadosamente pintados e nos arabescos que permeiam as colunas e paredes de grande parte das salas do local.


(Uma das passagens do Palácio, com detalhes em laranja, verde, azul (e seus mil tons) e mosaico dourado do teto de um dos salões do Real Alcázar)

Em 1248 a cidade passou novamente para mãos espanholas, durante um movimento cristão conhecido como Reconquista. Assim que o Real Alcázar se tornou residência real, o herdeiro do trono Alfonso X iniciou uma série de reformas e construiu três grandes salões em estilo gótico. Mais tarde, no ano de 1364, o rei Pedro I decidiu construir o primeiro palácio castelhano que não estava protegido pelas muralhas de um castelo. O Palácio de Pedro I se constitui no melhor exemplo de arte mudéjar da Espanha, estilo artístico criado na Península Ibérica no qual evidencia-se a mistura de elementos espanhóis e muçulmanos. Mais tarde foram erguidos também a Capela Gótica, o apeadero, o pátio da montaria e as grutas do jardim.

As construções dos povos árabes não são necessariamente bonitas do lado de fora, mas são sempre lindas do lado de dentro, pois acreditam que a riqueza interior vale mais que a exterior e que a beleza deve ser apreciada todos os dias. Era realmente tudo lindo. As paredes de pedra pareciam renda, os azulejos dos corredores formavam enormes mosaicos e os tetos de madeira foram esculpidos de tal forma que pareciam ter sido entrelaçados manualmente.

(O pátio das Donzelas...)

(... e os banhos de María Padilla. Dois locais que não podem deixar de serem visitados)

Dois espaços do palácio me chamaram a atenção. O primeiro é o Pátio das Donzelas. Por ser aberto, no meio há um grande chafariz em forma retangular e algumas plantas. Entre um vaso e outro, pilares que sustentan grande blocos de mármore esculpidos com grande delicadeza. O outro espaço são os Banhos de María de Padilla. Para chegar ao local é preciso sair do espaço coberto, ir até os jardins e então entrar em uma porta que leva a um enorme sótão dividido em 10 partes e cheio de tanques de água cobertos por abóbadas. A iluminação natural deixa o espaço com um tom amarelado, quase surreal.

(Parede de ouro da catedral de Sevilha. Foto tirada desse link)

Demoramos um pouco para sair do Real Alcázar por causa da chuva, mas logo entramos na catedral de Santa Maria da Sede de Sevilha, que não tínhamos entrado no primeiro dia de visita. A maior igreja gótica do mundo parece ainda maior do lado do dentro. O altar principal é enorme e tem uma parede com estátuas e símbolos católicos toda coberta em ouro. Ela apresenta também um série de outros altares e capelas, dedicados a santos e utilizados em momentos diversos que não a missa principal.

Em um dos cantos da catedral está um bloco de mármore coberto por uma tampa de madeira maciça com uma estátua de quatro guardas em vestes católicas carregando um objeto. No canto, um modesto papel onde se lê Mausoleo de Cristóbal Colón e a confirmação de que ali estão os restos mortais do famoso navegante espanhol que descobriu as Américas, no ano de 1492. Curioso é que a confirmação aconteceu somente em 2006, após análise de DNA dos ossos que estão na tumba. Até então, os pesquisadores não sabiam se os ossos de Cristóvão Colombo estavam em Sevilha ou na Catedral de Santo Domingo, na República Dominicana.

(Apesar da pesquisa, ainda existe constrovérsias acerca da autenticidade dos ossos. Foto tirada desse link)

Outra curiosidade é a Giralda, cartão-postal da cidade. Pagamos dois reais para subir até o alto da torre e ter uma das melhores vistas do centro histórico. Pena que ao chegar lá em cima encontramos uma cidade nublada: por causa da neblina, não foi possível ver muito além.

Descemos e começamos a andar a esmo pela cidade. Passamos por restaurantes apetitosos e loja de souvenirs com objetos engraçados. Paramos em um bar no bairro de Triana com vistas para o Guadalquivir, o maior rio da Andaluzia. Percebemos então que o passeio não tinha acabado, pois estávamos de frente para a Torre del Oro, uma torre em forma de dodecágono construída em 1220. O local, que hoje abriga o museu naval da cidade, tem esse nome devido a cor de suas paredes refletidas no rio.

(O brilho dourado da torre se deve a uma mistura de cal, argamassa e palha)

E se a torre estava de um lado, do outro encontrávamos a Ponte Isabel II, mais conhecida como Ponte de Triana. A ponte feita em ferro fundido foi inaugurada em 1852 com um desfile militar, tamanha a alegria da população ao ver, finalmente, uma ponte sólida capaz de ligar as duas partes da cidade.

(Design moderno em ferro fundido. Foto tirada desse link)

Foi com paisagem que nos sentamos para tomar uma cerveja e conversar um pouco antes de ir dormir. Foi com essa paisagem que nos despedimos de Sevilha. Olhei para o céu aparentemente sem nuvens e pensei "amanhã vai fazer sol". Invejei seus moradores e desejei ter mais um dia naquela cidade. Mas o tempo passava e as malas estavam prontas para ir a Barcelona.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Comer é uma arte

Comer na Espanha é delicioso. Paella, arroz com frutos do mar, jamón serrano, azeitonas verdes... Pratos e ingredientes que por si só já enchem os olhos de qualquer pessoa e que me fizeram chegar ao país sonhando com o fim das baguetes e dos sanduíches. Porém, como na França, eu sabia que o que me impedia de comer bem não era o cardápio, mas o preço. Foi então que eu descobri que na Espanha comer é duplamente delicioso porque a comida boa vem acompanha de preço baixo. Tudo isso graças aos famosos Tapas.

(Tapas a perder de vista em uma loja de Barcelona. Foto tirada desse link)

Logo no primeiro dia, depois do passeio pelo centro histórico nos embrenhamos nas ruas de Sevilha a procura de um bom restaurante. E encontramos um ótimo! Na rua Mateos Gago está o La Taberna, um local simples e aconchegante que tem os tapas como especialidade.

Os tapas são, na verdade, aperitivos que podem ser feitos com diversos e diferentes de ingredientes para acompanhar a cerveja. Eles são pequenos, baratos e deliciosos. Dizem que o "tapa" surgiu no século XIII, durante o governo de Afonso X, o sábio. Quando ele ficou doente se viu obrigado a beber alguns copos de vinho durante o tratamento. Para que o álcool não lhe subisse à cabeça, pediu aos seus cozinheiros que preparassem pequenos aperitivos, que eram sempre colocados em cima da taça de vinho, como uma tampa. Em espanhol, uma "tapa". Em pouco tempo, os bares da cidade de Castilla, onde vivia o rei, passaram a servir vinho acompanhado de uma pequena porção de comida.

(Bendita combinação. Foto tirada desse link)

Outra história afirma que o "tapa" surgiu durante uma viagem do rei Alfonso XIII a Cádiz. No caminho, resolveu parar na província de São Fernando para tomar um pouco de vinho. Como o local ventava muito, o garçom colocou uma fatia de presunto em cima da taça, como uma tampa, para impedir que entrasse pó na bebida. O rei comeu a fatia, bebeu o vinho e gostou tanto da ideia que pediu outra taça, mas com "la misma tapa".

Hoje, a Real Académia define un tapa como "qualquer porção de alimento sólido capaz de acompanhar uma bebida". No fundo é como a nossa comida de buteco servida em porções pequenas e individuais. Mas no dicionário não está escrito que é tão difícil escolher. Entre aquela infinidade de opções começamos com as patatas bravas: batata frita em cubos com ovos fritos misturados em um molho de tomate alaranjado. Simples assim, e delicioso. Depois, cada um pediu um tapa diferente e foi aquela troca de garfos e pedaços típico da farofada (ou falta de educação mesmo) que só os brasileiros sabem fazer.

(Dos tapas mais simples...)

(Aos mais sofisticados. Na primeira foto tortilha de batata com salsa, e jamón serrano com lombo enrolado, empanado e frito. Na segunda, carpaccio de boi com pistache e queijo, e lombo de bacalhau. Fotos tiradas desse e desse link)

Bom que o bar estava cheio e ninguém reparou na nossa bagunça. Chegamos no La Taberna às 14h, horário em que o espanhóis começam a sair do trabalho para almoçar. Um horário bem tarde, diga-se de passagem. Tão tarde que algumas pessoas tomam dois cafés da manhã à espera do almoço, que pode durar até as 15h, 16h, 17h... E a siesta, o famoso cochilo pós-refeição, é sagrada em Sevilha. Tudo fecha nesse horário, exceto os próprios bares.

O restaurante que escolhemos era um dos que estava aberto. E cheio. Havia um balcão do lado de dentro com algumas pessoas tomando a tradicional cerveja Cruz Campo e petiscando azeitonas verdes em pé. Realmente pensei que estivessem lá por falta de cadeiras. Mas então vi que as mesas do lado de dentro e também do lado de fora não tinham cadeiras. Se o mistério nº 1 dos hábitos alimentares daquele país é porque comer tão tarde, o mistério nº 2 é porque comer em pé. Me lembro que tive a mesma dúvida em Madrid... Então percebi que não se sentar faz parte da tradição de tapear (comer tapas). Uma tradição até confortável. Deve ter algo a ver com a alegria de estar rodeado de amigos pois a sensação que me deu era que estávamos lá mais para conversar que para comer!

(O prazer da boa conversa no balcão de um bar de tapas. Foto tirada desse link)

A noite cai

Se o almoço na Espanha começa as 14h, não tem como o jantar sair cedo. Saímos do apartamento por volta das 21h para então procurar um lugar para comer. Fomos novamente ao centro e dessa vez paramos em um restaurante (desses em que a gente escolhe uma mesa e come sentado, você se lembra?). O preço baixo, a quantidade e a variedade nos fizeram pedir tapas novamente.

(As patatas bravas eram quase isso, só que com ovo e mais molho. Foto tirada desse link)

Enquanto comia perguntei aonde íamos depois. "A outro bar de tapas", foi a resposta. Eis a famosa arte de tapear: em Sevilha, as pessoas saem a noite para um bar para tomar uma cerveja e comer una tapa. Depois de uma ou duas horas vão a outro bar, tomar uma cerveja e comer outra tapa. Depois vão a um terceiro bar... tomar mais cerveja e comer mais tapas... E só param de madrugada, quando decidem sair para dançar ou continuar tomando umas e outras em um lugar qualquer.

A próxima parada era então a Plaza del Salvador, um grande espaço aberto exclusivo para pedestres que ganhou esse nome por causa da igreja de São Salvador logo em frente. A linda igreja, pintada de branco e rosa, foi contruída em estilo barroco ainda no ano de 1674 e hoje é a segunda maior da cidade, perdendo apenas para a Catedral. Mas a noite, ela é só um ponto de encontro. O que chama atenção naquele lugar é a aglomeração de pessoas. Jovens, adultos, idosos, de todas as nacionalidades.

(Ponto de encontro dos moradores e dos estudantes Erasmus em Sevilla. Foto tirada desse link)

Enquanto o pessoal tomava uma cerveja (em pé) em um dos bares que ficavam ali em frente, eu me sentei com a Tissi e com algumas amigas espanholas nas escadarias da igreja. Elas tentavam nos ensinar a comer sementes de girassol. As sementes são vendidas em pacotinhos, como chips, e são verdadeiros petiscos. Me lembro que vi um monte desses pacotinhos em Grenoble, enquanto assistia ao jogo entre Barcelona e Real Madrid. As sementes de girassol estão para os espanhóis mais ou menos como o amendoim está para os brasileiros. Com a diferença de que o nosso não tem casca. Há toda uma técnica para comer: você coloca a ponta na boca, morde, abre, pega o que tem dentro e joga a casca fora. Enquanto eu comia um as meninas devoravam uma dúzia.

Quando estávamos quase indo embora escutamos de longe umas mulheres cantando. Era um grupo de senhoras que tomavam Cruz Campo no bar logo em frente. Mais pessoas foram chegando e as palmas foram ficando mais fortes. Elas cantavam flamenco e dançavam com a ajuda de todos ao redor. Um espetáculo totalmente espontâneo. E muito bonito! O engraçado era que dali iríamos para um bar que tocava flamenco, e mesmo assim me disseram: "O que você viu aqui você não vai ver em lugar nenhum. Esse é o verdadeiro flamenco". Ainda não tinha visto nada parecido, mas por alguma razão eu estava de acordo.

(Las bailarinas)

Seguimos então para o La Carbonería, um bar na calle Levies com apresentações culturais que toda a noite apresenta o flamenco de Sevilha. O espaço é, na verdade, um grande galpão separado em dois ambientes. Na primeira parte, um pequeno palco onde ficam os cantores e as dançarinas. Lá atrás estão mesas e cadeiras e o bar aonde as bebidas são servidas. Chegamos tarde e o show já tinha começado, mas conseguimos ver um pouco da apresentação. A música flamenca é sempre forte e bonita, então quanto a isso não tinha o que reclamar. A dança era linda figurinos, cabelo, olhares... mas me pareceu ensaiada demais. Confirmei então o que me disseram horas atrás e lembrei novamente das senhoras da praça.

(Leques, guitarras e palmas na Carbonería. Os símbolos de uma dança. Foto tirada desse link)

Passamos o resto da noite por ali, bebendo e conversando. O legal é que a galera vai ficando bêbada e fazendo tudo parecer ainda mais divertido. Rimos de um cara que caiu da cadeira na mesa ao lado, ensaíamos um samba batucado na mesa de madeira, e quando o bar já estava fechando, as meninas ainda subiram no palco e começaram a dançar flamenco e bater palmas. Para encontrar o espírito de um lugar é só estar em boa companhia.

sábado, 12 de novembro de 2011

Tudo que se espera da Espanha

"Vocês vão conhecer a cidade mais bonita do meu país", disse nosso amigo quando falamos que Sevilha estava no nosso roteiro. Mas vindo de um sevilhano é claro que a gente não ia acreditar. Devia estar puxando sardinha para o seu lado porque, até então, eu nunca ouvira muita coisa sobre a cidade. Tudo que eu sabia era que ela era é a capital da Andaluzia e que era quente como o inferno. Mas como o verão estava longe, percebi que sabia ainda menos. Bem... se Sevilha não tivesse muito a oferecer, ao menos passaríamos dois dias divertidos com nossos amigos do intercâmbio.


(O sol, as cores e o flamenco. Estão todos juntos em qualquer canto da cidade. Foto tirada desse link)

Mas fui surpreendida. Sevilha é uma cidade de encher os olhos. As construções históricas como a linda Plaza de España, os prédios coloridos a perder de vista, o chão de pedra por vezes irregular, as laranjeiras apinhadas de frutas e o flamenco que saía dos restaurantes de tapas e invadia as ruas docemente... Isso sem contar naquele povo de fala peculiar que faziam tudo sem pressa nenhuma. A Espanha está aqui.

Várias cidades em uma só

Chegamos às 6h da manhã na rodoviária Plaza de Armas, um pouco desconjuntados pelas horas de sono dentro do ônibus. Fomos tomar café no tradicional bairro de Triana, famoso por ser o berço de alguns dos mais famosos toureiros, cantores e dançarinos de flamenco do país. O local sempre foi marcado pela presença significativa dos trabalhadores das classes menos abastadas da cidade e do povo cigano Romaní, o que fez o bairro se dividir entre la cava de los civiles e la cava de los gitanos. Hoje os ciganos são poucos pois foram expulsos do local em 1970. A história oficial conta que a culpa foi da pressão imobiliária, mas dizem que, na verdade, a pressão veio mesmo do governo fascista de Franco.

(Imagem desde o centro de Sevilla. Vê-se o rio Guadalquivir e a calle Betis, uma das mais famosas ruas de Triana. Foto tirada desse link)

De toda forma, o local sempre teve uma cultura bastante singular e uma forte ligação com a música flamenca. Até hoje, o bairro tem diversas casas de tablao, com apresentações frequentes. Mas estava um pouco cedo para isso e ficamos só com o café mesmo. Bebemos e comemos pão com presunto no bar La Estrellita, point dos bêbados de plantão por ser o primeiro a abrir em todo o bairro.

Dessa vez, nada de albergue. Seguimos de carro até o apartamento do irmão do nosso amigo, com espaço mais que suficiente para nós cinco. Tínhamos pego o ônibus de madrugada exatamente para não pagar mais um dia de albergue, dormir no ônibus e acordar prontos para passear na cidade. Mas a cama parecia irresistível demais e desmaiamos.

(Uma cidade horizontalmente pequena e cuidadosamente vaidosa. Foto tirada desse link)

Acordei por volta de meio dia com o sol no meu rosto. Fazia 19º graus. Há três dias eu estava batendo queixo em um frio de -5º e então, de uma hora para a outra, eu andava nas ruas sem sentir os meus pés congelarem. Aqueles dias de sol no meio de dezembro já valeriam todos os euros gastos com a viagem. Mas enquanto andava pelas ruas, aproveitando o clima, me deparava com um lugar realmente especial.

Só depois eu descobri que Sevilha é uma das cidades mais importantes do país desde a História Antiga. Passou por momentos bons e momentos de crise até que em 1492 se tornou o centro econômico do império espanhol e passou por um grande desenvolvimento. Nessa época, foi construído grande parte do centro histórico da cidade. A ascensão de Sevilha durou até a crise do século XVII, pois a partir dessa data grande parte da força comercial se transferiu para Cádiz, sem contar na nova epidemia de peste que assolou a cidade e matou cerca de 60 mil pessoas, quase metade da população.

(As cores fortes da fachada do Palacio de San Telmo)

A cidade foi se recuperando com o tempo. Hoje é a quarta maior do país e se destaca em diversos quesitos. O turismo com certeza é um deles. Isso sentimos por conta própria. O Palacio de San Telmo foi o primeiro edifício a chamar a atenção, principalmente por causa das cores vermelho e amarelo da sua fachada. A construção de estilo gótico começou em 1682 com o objetivo de ser um colégio-seminarista. Mas o local foi um verdadeiro faz tudo e serviu à Sociedade Ferroviária, à Universidade de Literatura e até à residência oficial da família Borbón. Na década de 1990 ele passou por uma série de reformas para abrigar a Junta de Andalucía.

(A rua Mateos Gago é a única na qual as pessoas conseguem tirar uma foto da Giralda por inteiro)

Não demorou muito para chegarmos a Avenida de la Constitución, uma via fechada para os pedestres no centro histórico de Sevilha. E aqui, histórico quer dizer antigo mesmo. A começar pelo ponto mais alto da cidade, a Giralda. A torre de 101 metros de altura começou a ser construída em 1185, durante o período em que a dinastia árabe dos Almóadas dominou a cidade. Com o objetivo de "atualizar" a infra-estrutura local eles iniciaram edificação de uma enorme mesquita com um miranete inspirado no miranete da mesquita de Kutubia, em Marrakech (Marrocos). Com seus 82 metros a torre se tornou o ponto mais alto de toda a Europa.

Com o terremoto de 1365, a Giralda perdeu as esferas de cobre que coroavam a torre. Por isso que os dois terços inferiores datam ainda do século XII e o terço superior foi feito no século XVI. A estátua no alto do miranete representa a fé e foi a última peça instalada pelo arquiteto Hernán Ruiz a pedido dos responsáveis pela catedral. As pessoas passaram a lhe chamar "giralda", palavra que significa "cata-vento com forma de figura humana ou animal". Com o tempo, o nome passou a respresentar toda a torre e a estátua em si passou a ser conhecida como Giraldillo.

(A visão que só o Giraldillo tem da cidade. Foto tirada desse link)

Colado ao miranete árabe, uma catedral de inspiração gótica. A Catedral de Santa Maria da Sede de Sevilha começou a ser construída em 1401 após a demolição da antiga Mesquita de Alfama. Por ego ou por revanche, a direção católica fez questão de fazer uma grandiosa o suficiente para se impor a antiga construção muçulmana. E assim nasceu a maior igreja gótica do mundo. Como sua construção durou anos a fio, além do estilo gótico é possível encontrar traços renascentistas, barrocos e neogóticos.

(Uma catedral de um quarteirão inteiro. Foto tirada desse link)

O melhor de Sevilha

Depois do passeio pelo centro histórico nos embrenhamos nas ruas do bairro de Santa Cruz, um dos mais bonitos da cidade. O bairro é um verdadeiro labirinto de ruas estreitas que, propositalmente ou não, criam correntes de ar e ajudam as pessoas a se refrescarem do calor. Isso sem contar o grande número de laranjeiras com sombras a dar e vender.

(Uma das entradas para o bairro de Santa Cruz)

E por falar em laranjeiras, vocês não acharam que eu ia sair de lá sem experimentar ne? Eu escutei mil vezes que elas não eram para comer. "As laranjas das ruas são azedas. As pessoas só usam para fazer doce, ou nem isso". Mas sei lá, vai que eu dava sorte? Não dei. Elas são mesmo um porcaria.

Pelo menos servem para dar graça ao bairro, que começou a tomar forma ainda no século XIII, quando o rei Fernando III de Castilla conquistou a cidade. Ali se concentrou a comunidade judia que construiu casas sem muita riqueza de detalhes, mas bastante originais. As paredes brancas têm suas bordas pintadas em tons amarelo ou vermelho e muitas das janelas e varandas são adornadas com flores de ferro. A surpresa maior, porém, está entre uma rua e outra. Uma das características mais marcantes de Santa Cruz são os pequenos pátios e praças que aparecem vez ou outra, como a Plaza Doña Elvira, na qual paramos para descansar e tirar algumas fotos.

(Os sevilhanos são famosos pela sua fabricação de azulejos. A relação com as Índias no século XVI fez a arte crescer ainda mais. Hoje ela está por todos os lados, dos adornos das igrejas aos bancos das praças da cidade, como na Plaza Doña Elvira)

Mas o melhor ainda estava por vir. Voltando um pouco à história de Sevilha, a cidade deixou de ser o centro econômico do país no século XVII, logo depois das grandes navegações. Na sua recuperação, dois momentos foram decisivos. O primeiro aconteceu em 1929, com a Exposição Iberoamericana, e o outro em 1992 e a Exposição Universal. Ambas tinham como objetivo a modernização, o fomento ao turismo e a exposição ao mundo das potencialidades da cidade.

Na última foi construído um enorme parque tecnológico com tudo de mais moderno que o mundo sabia fazer até então. Hoje, o local abriga o parque temático Isla mágica que, assim como a Exposição Universal de 1992, tem como tema o descobrimento das Américas. Na primeira, ao invés da criação de um único bairro, foram criadas diversas atrações ao longo da cidade. É aí que entra o monumento mais bonito que eu já vi em toda a minha vida: a Plaza de España.

(Uma das primeiras vistas da Avenida de Isabel 'La Católica')

O local é um semi-círculo com 50 mil m² de pura beleza. Em volta de toda a praça há um enorme prédio de cor alaranjada, construído com tijolos e decorado com mármore e cerâmicas coloridas. Nas pontas norte e sul da praça há grandes torres e do pátio do palácio saem quatro pontes que levam enorme espaço aberto destinado a recreação, passeio, exposições e apresentações. Embaixo das pontes, um rio artificial no qual as pessoas podem andar de barco.

O local começou a ser construído em 1914 e era a obra que mais tomou tempo, esforço e dinheiro do governo da época. Criticaram o tamanho do monumento, o porquê da sua importância e até a criação do rio artificial, já que Sevilha sempre sofreu com a escassez de água. Aviso aos antigos indignados: valeu a pena.

(Na primeira foto, a torre Norte e o detalhe de um dos postes de luz, cercado de azulejos sevilhanos. Abaixo, Vista do segundo andar do edifício, presenteado ainda por um lindo pôr-do-sol)

A Plaza de España não tem só um ponto forte. Do conjunto da obra aos menores detalhes, como os 48 bancos com quadros e mapas de azulejo respresentando cada uma das 48 províncias espanholas ou mesmo os postes de luz decorados a moda antiga, é tudo encantador. Tão encantador que não parece real. Acho que foi por isso mesmo que filmes como Lawrence de Arábia e Star Wars Episódio II: O ataque dos clones, usaram o cenário nas suas filmagens.

Saí dali extasiada...! Voltamos ao apartamento para tomar banho e se arrumar para aproveitar a noite. Mas o lazer aqui merece um post a parte.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Maratona madrilenha

Se eu tivesse que fazer uma lista com os dias em que eu mais andei por uma cidade, 28 de dezembro do ano passado seria um deles (junto com o dia em que fui tirar meu visto no Rio de Janeiro e o dia em que fiquei passeando a esmo por Grenoble a espera de alguns amigos "presos" na montanha). Não sou dada a frescuras e preguiças, muito menos em uma viagem. Acredito ser normal, quase imprescindível, andar uns bons 4 ou 5 quilômetros se você quer mesmo conhecer um lugar em pouco tempo. Mas o que aconteceu em Madrid foi uma verdadeira maratona.

(Prédios charmosos na Plaza de Oriente)

Isso aconteceu por dois motivos. O primeiro era o fato de que tínhamos que deixar o albergue antes do almoço e não teríamos aonde ficar depois. O segundo, e mais importante, era que tínhamos somente um dia para conhecer uma capital inteira, pois meia-noite estaríamos embarcando para Sevilha. Assim, arrumamos nossas malas e perguntamos se podíamos deixar as mochilas no albergue e voltar às 10h da noite para pegá-las. Conseguimos o favor sem custo adicional.

O dia estava lindo. Frio, sem sol, mas com um céu azul que só vendo. Não tinha ideia de onde começar. Estava pronta para subir de novo e perguntar à dona do albergue quais lugares ela nos recomendava passear quando me lembrei como é bom tem um homem - com mapa - no grupo. Passamos por ruas que misturavam a arquitetura de diferentes séculos. Os edifícios eram beges, rosas, amarelos, vermelhos, mas ainda assim, clássicos.

Chegamos então à Plaza de Oriente, localizada no centro histórico de Madrid. O espaço foi desenhado em 1844 e está cheia de passeios e belos jardins. No centro, uma estátua do século XVII famosa por ser considerada a primeira estátua equestre do mundo. Nela está representada o antigo rei Felipe IV. Não bastasse a praça ser um charme por si só, ela ainda está cercada por algumas das construções mais importantes do país, como o Teatro e o Palácio Real, residência da família real espanhola. Peraí. Família real?

(Estátua equestre e palácio real ao fundo... uma pequena parte dele)

Todo um império

Fiquei uns cinco minutos brigando com o Teichmann e pedindo para ele parar de me fazer acreditar que a Espanha ainda vivia uma monarquia. Então fui no fundo do meu cérebro na tentativa de rastrear antigas aulas de histórias e reportagens sobre o assunto... Foi quando me dei conta de que ele estava certo. Tinha me esquecido completamente que a Espanha tinha uma família real com direito a rei, rainha, herdeiros, luta pelo poder e ego inflamado.

(Em todo o passeio do Palácio, estátuas humanas tentam ganhar um dinheirinho com os turistas)

Talvez a minha dúvida tenha surgido depois de ter me encantado com uma Espanha até então moderna e independente, dona de monumentos históricos que tomavam novas formas de acordo com os usos que seus habitantes faziam deles. Mas os traços da monarquia realmente estavam lá. A começar pelo palácio... enorme! Uma foto panorâmica não seria capaz de pegar toda a extensão daquele prédio. Não por menos. Com 135m², esse é o maior palácio da Europa Ocidental.

A construção dessa obra faraónica, erguida sob as ruínas do antigo Real Alcázar que pegou fogo em 1734, durou 154 anos. O palácio parece ter duas partes principais. Ao fundo, a residência oficial com seus mais de 3 mil cômodos que incluem centenas de quartos, salões luxuosos e outros tantos camareiros responsáveis por deixar tudo em ordem a pedido da realeza. Na frente, um pátio enorme com poucas plantas para receber eventos e pessoas importantes. Os súditos ficam a tirar fotos.

(O pátio do Palácio)

Descobri mais tarde que realeza atual não mora nesse, mas em outro edifício, o Palacio de la Zarzuela. Assim, hoje, o Palácio Real é usado para reuniões, grandes cerimônias ou eventos. Aos visitantes ilustres, a sorte de poder entrar em um verdadeiro museu e se deparar com obras de artistas como Caravaggio, Diego Velázquez e Francisco de Goya. Aos reles mortais - como eu - tudo isso por 5 euros a meia, com direito a um passeio no jardim que de tão grande se tornou um parque.

Mas outros edifícios e monumentos na capital espanhola também fazem lembrar a realeza. Saindo do Palácio Real pela calle Mayor e depois pela calle de Alcalá se chega à Plaza de Cibeles, aonde está o Palácio das Comunicações. A ideia inicial era construir um prédio de estilo arquitetônico único para abrigar o correio da cidade. O governo então organizou um concurso e aprovou por unanimidade o projeto do arquiteto Antonio Palacios, mesmo debaixo de críticos que diziam que o tal desenho destoava do ambiente. A construção durou cerca de doze anos e ao final foi considerado um símbolo de progresso.

(Hoje, o prédio assume uma série de responsabilidades da prefeitura. Foto tirada desse link)

Ele é mesmo muito bonito. Acima de cada janela há uma escultura bem detalhada, normalmente são brasões cabeças de personagens da época. A estrutura é bastate pontiaguda, principalmente por causa dos diversos e pequenos bastões ao final de cada torre.

E na mesma rua, um pouco mais a frente, está a Puerta de Alcalá, um dos cartões-postais de Madrid. Muitos a comparam com outras que parecem ter servido de inspiração, como o Arco do Triunfo em Paris ou o Portão de Brandeburgo em Berlim. O que poucos sabem é que a Puerta de Alcalá foi o primeiro arco monumental construído depois do fim do Império Romano e, por isso, inspiração para todos os outros.

(Sempre que vejo essa imagem essa música me vem a cabeça)

No mesmo lugar em que ela foi construída havia um monumento similar apesar de bem menos grandioso. Era uma das cinco portas que marcavam as entradas para a cidade de Madrid. Mas em 1788, a mando do rei Carlos III, foi criado o projeto. O ponto de maior curiosidade - ao menos para mim - foi descobrir que as quatro esculturas de crianças lá de cima representam as quatro virtudes cardinais: a justiça, a fortaleza, a prudência e a temperança.

Nem só de classe vive uma cidade

Saímos da centenária história dos reis espanhóis e suas construções monumentais e fomos para outra... ainda mais velha. Ela não era monumental, mas misteriosa. E na verdade parecia inacabada. Grande pilares de pedra que suspendiam um pilar ainda maior formanto duas grandes portas em sequência. Ao fundo, um quadrado de pedra que podia ser entendido como um templo de oração ou ate uma tumba egípcia. Quase.

(A curiosidade do menininho a esquerda é compreensível: no inverno, mesmo sem neve, a água do lago fica congelada)

A construção parecia inacabada porque ela estava, na verdade, destruída. Ela era parte do original Templo de Debod, um templo do antigo Egito com mais de 2.200 anos. Foi erguido a mando do faraó Ptolomeu IV e dedicado aos deuses Amón e Isis, respectivamente, pai de todos os ventos e deusa do nascimento e da maternidade. Mas que raios ele estava fazendo em Madrid? Em 1968 a Unesco fez um comunicado internacional pedindo ajuda para salvar os templos de Nubia que corriam o risco de desparecer devido à construção da represa de Asuán. O Egito doou então quatro dos templos salvos para distintos países. Além de Madrid, Holanda, Itália e Estados Unidos também ganharam um presente.

A fila estava imensa, mas nem foi um problema para nós pois ainda estavamos terminando almoço (vulgo sanduíche do Subway). Lá dentro vimos réplicas de como seria o templo se estivesse perfeito ainda nos dias de hoje. Além das maquetes o local estava cheio de objetos egípcios e imagens de farós e hieróglifos retransmitidas por luz nas paredes marrons do local.



(O monumento ao rei Alfonso e o Palácio de Cristal visto de lado. Dois detalhes em um mundo de imagens bonitas)

Mas o último passeio do dia é, para mim, um dos que mais vale o registro. Se estiver em Madrid, não deixe de ir ao Parque del Retiro, um espaço verde de 1,18km² cheio de construções antigas, estátuas importantes, fontes, lanchonetes, espaços para a prática de esportes e muuuita sombra para descansar. Três pontos merecem destaque. O primeiro é o monumento ao rei Alfonso XII com um lago na frente aonde as pessoas passeiam em barquinhos azuis. O segundo é o Palácio de Cristal, erguido em 1887 e que sempre serviu à manutenção e exposição de flores de todo o mundo (há dois anos, porém, ela passou a receber exposições temporárias de arte contemporánea). E o terceiro, como não podia deixar de ser, é a graça que os jardineiros fazem com as árvores locais: eles as recortam em forma de cones, flores, cérebros e por aí vai...

Adios Madrid!

Saímos ao entardecer e passamos na frente do famosíssimo Museo del Prado, um dos mais importantes e mais visitados museus do mundo. Era 6 euros para entrar, mas uma das exposições gratuitas era de graça até às 19h e faltava quarenta minutos para o fim. Mas a fila estava extremamente gigantesca... eu fui a única a realmente lamentar não ter chegado antes para entrar na fila.

(Museo del Prado lindo de morrer. Pela falta de fila, ainda era bem de manhãzinha. Foto tirada desse link)

Mas tudo bem. Voltamos ao centro madrilenho para comer alguma coisa e... andar ainda mais. Fomos ao famoso El Corte Inglés (uma Galerie Lafayette para todos os gostos, inclusive para os gostos dos mais pão-duros) e outras lojas da cidade e pequenos mercadinhos com souvenirs. Às 22h, voltamos para o albergue, pegamos nossas mochilas e fomos para a rodoviária pegar o ônibus que nos levaria até Sevilha.

(Para entrar em um lugar como esse com um grupo de quatro mulheres é preciso foco)